Neste dia 02 de outubro rememoramos 29 anos do massacre do Carandiru. Naquele dia, em 1992, a polícia militar do estado de São Paulo adentrou o então maior presídio da América Latina e ceifou a vida de ao menos 111 pessoas. Sobreviventes do massacre e até membros das forças policiais que atuaram no dia afirmam que o número é muito maior. Sem contar o sopro de vida que se esvai de familiares e amigos dos mortos, sobrevivendo ao luto e à dor até hoje.
O Pavilhão 9, palco principal do massacre, era destinado a réus primários – grande parte dos que morreram não contavam sequer 25 anos e eram recém saídos da Fundação Casa. A ordem proclamada pelo governo do estado e pela secretaria de segurança era uma só: grudar o dedo no gatilho e apontar para todo mundo que estivesse respirando lá dentro.
O Coronel Ubiratan Guimarães e seus peões obedeceram: “Sim, senhor!”. A pólvora e a bala metálica deram lugar então ao mar de sangue que inundou todo o pavilhão. É esse mesmo sangue que se mistura à tinta da caneta do judiciário paulista, que insiste em trancafiar as pessoas em espaços inabitáveis. O massacre só reforça que a vida das pessoas excluídas para o Estado é isso: um monte de nada, de lixo, de descarte, de irrelevância.
Passadas quase três décadas deste episódio sangrento, observamos no dia a dia do sistema prisional que o Carandiru não se tratou de um caso isolado – é, na realidade, institucionalizado. É essa mesma política de descarte e de genocídio que está vigente hoje, agora, neste exato momento. Enquanto lemos este texto, já contamos mais de 280 pessoas encarceradas que se foram apenas em decorrência da pandemia – lembrando sempre que os números do sistema prisional estão, em regra, defasados e subnotificados.
E o sistema penal não sabe – pois foi criado para isso – atuar de outra maneira. Mesmo com o massacre do Carandiru, que repercutiu negativamente ao redor de todo o globo, a Casa de Detenção de São Paulo foi implodida só em 2002.
Ao mesmo tempo, em 2004, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo publicava Resolução criando o Grupo de Intervenção Rápida (GIR), formado por agentes equipados com aparatos altamente militarizados responsáveis por incursões nos presídios do estado – formação esta que se repete Brasil afora e que hoje tem sua consagração nacional com a Força Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), criatura do então Ministro da Justiça Sérgio Moro e com a atuação prática do secretário de Assuntos Penitenciários Mauro Albuquerque.
As formas de repetir o Carandiru vão se aperfeiçoando, usando desde técnicas medievais, até altas tecnologias para um único fim: deixar e fazer morrer a população preta, pobre e periférica. Em 2017, nos presídios da região norte do país, foram mais de 130 mortos após um período intenso de rebeliões. Em 2018, no presídio de Avaré, em São Paulo, denúncias apontaram que presos eram torturados pela casa prisional por meio de sufocamento com sacos de fezes e urina.
No Pará, no presídio feminino de Ananindeua, em 2019, foi denunciado que presas eram obrigadas a sentar seminuas em cima de formigueiros. Em maio do mesmo ano, 55 vidas foram ceifadas nas penitenciárias de Manaus, sendo todos presos provisórios.
No Distrito Federal, em 2020, a Defensoria Pública teve de entrar com ação na justiça pois os presos estavam sem acesso à qualquer período de banho de sol – durante pandemia de doença infectocontagiosa, os presos são obrigados a ficar 100% do tempo trancafiados em suas celas. Em 2021, presas do CPP Butantã, em São Paulo, ouvem o prédio estalar, tamanha a precariedade da estrutura sob suas cabeças.
A pandemia, por sua vez, deu contornos ainda mais doloridos a esse massacre constante. O fechamento do cárcere aos agentes pastorais e às familiares das pessoas presas deu o tom que há muito já se observa do sistema prisional brasileiro: um verdadeiro apartheid. É ali que se trancafiou a população preta e pobre e é ali que se ecoava o “deixar morrer”.
É ali também, que se fazia morrer, pois foram inúmeras denúncias de agentes prisionais que não utilizavam máscara, de fornecimento precário de materiais de higiene, de proibição do banho de sol, de recusa em prestar atendimento médico aos enfermos e de demora na aplicação de vacinas. Sem contar as inúmeras agressões físicas que continuaram acontecendo nesse período.
De norte a sul, de leste a oeste do Brasil o Carandiru se repete, diariamente. Isto porque a ordem de matar, que sempre parte dos poderosos, nunca deixou de existir. Antes ainda tentavam escondê-la, sob os mitos da “democracia racial” e do “Estado Democrático de Direito”. Agora, com o “CPF cancelado” e o “e daí?”, está escancarado o modus operandi do sistema penal de docilizar e matar corpos.
Estamos, verdadeiramente, fartos desse ciclo vicioso, dessa constante morte de corpo e de alma. É tiro, é vírus, é fome, é prisão. E é esse sentimento de revolta que nos faz levantar todos os dias e querer construir um mundo novo, um mundo sem cárceres. Para não esquecer e para não repetir: 111 mortos do Carandiru hoje e sempre, presentes.
1) Adalberto Oliveira dos Santos, 34 anos
2) Adão Luiz Ferreira de Aquino, 23 anos
3) Adelson Pereira de Araújo, 30 anos
4) Agnaldo Moreira, 27 anos
5) Aílton Júlio de Oliveira, 24 anos
6) Alex Rogério de Araújo, 22 anos
7) Alexander Nunes Machado da Silva, 20 anos
8) Almir Jean Soares, 22 anos
9) Antonio Alves dos Santos, 38 anos
10) Antonio da Silva Souza, 24 anos
11) Antonio Luiz Pereira, 27 anos
12) Antonio Márcio dos Santos Fraga, 19 anos
13) Antonio Quirino da Silva, 29 anos
14) Carlos Almirante Borges da Silva, 29 anos
15) Carlos Antonio Silvano Santos, 22 anos
16) Carlos César de Souza, 28 anos
17) Claudemir Marques, 23 anos
18) Cláudio do Nascimento da Silva, 35 anos
19) Cláudio José de Carvalho, 20 anos
20) Cosmo Alberto dos Santos, 27 anos
21) Daniel Roque Pires, 26 anos
22) Dimas Geraldo dos Santos, 27 anos
23) Douglas Alva Edson de Brito, 31 anos
24) Edílson Alves da Silva*
25) Edivaldo Joaquim de Almeida, 27 anos
26) Edson Luiz de Carvalho, 25 anos
27) Elias Oliveira Costa, 19 anos
28) Elias Palmigiano, 22 anos
29) Ermeson Marcelo de Pontes, 21 anos
30) Erisvaldo Silva Ribeiro, 24 anos
31) Francisco Antonio dos Santos, 27 anos
32) Francisco Ferreira dos Santos, 32 anos
33) Francisco Rodrigues Filho, 25 anos
34) Gabriel Cardoso Clemente*
35) Geraldo Martins Pereira, 28 anos
36) Geraldo Messias da Silva, 29 anos
37) Grinário Valério de Albuquerque, 24 anos
38) Jarbas da Silveira Rosa, 21 anos
39) Jesuíno Campos, 27 anos
40) João dos Santos, 30 anos
41) João Carlos Rodrigues Vasques, 25 anos
42) João Gonçalves da Silva, 21 anos
43) Jodílson Ferreira dos Santos, 33 anos
44) Jorge Sakai, 25 anos
45) Josanias Ferreira Lima, 25 anos
46) José Alberto Gomes Pessoa, 22 anos
47) José Bento da Silva Neto, 32 anos
48) José Carlos Clementino da Silva, 22 anos
49) José Carlos da Silva, 27 anos
50) José Carlos Inajosa, 34 anos
51) José Cícero Angelo dos Santos, 20 anos
52) José Cícero da Silva, 29 anos
53) José Domingues Duarte, 29 anos
54) José Elias Miranda da Silva, 23 anos
55) José Jaime Costa da Silva, 25 anos
56) José Jorge Vicente, 31 anos
57) José Marcolino Monteiro, 25 anos
58) José Martins Vieira Rodrigues, 34 anos
59) José Ocelio Alves Rodrigues, 20 anos
60) José Pereira da Silva, 45 anos
61) José Ronaldo Vilela da Silva, 23 anos
62) Jovemar Paulo Alves Ribeiro, 27 anos
63) Juarez dos Santos, 24 anos
64) Lucas de Almeida, 25 anos
65) Luiz Carlos Lins, 26 anos
66) Luiz César Leite, 29 anos
67) Luiz Enrique Martin, 26 anos
68) Luiz Granja da Silva Neto, 34 anos
69) Mamede da Silva, 24 anos
70) Marcelo Couto, 19 anos
71) Marcelo Ramos, 22 anos
72) Marcos Antonio Avelino Ramos, 28 anos
73) Marcos Rodrigues Melo, 21 anos
74) Marcos Sérgio Lino de Souza, 20 anos
75) Mário Felipe dos Santos, 24 anos
76) Mário Gonçalves da Silva, 32 anos
77) Maurício Calió, 28 anos
78) Mauro Batista Silva, 29 anos
79) Nivaldo Aparecido Marques de Souza, 24 anos
80) Nivaldo Barreto Pinto, 23 anos
81) Nivaldo de Jesus Santos, 29 anos
82) Ocenir Paulo de Lima, 29 anos
83) Olívio Antonio Luiz Filho, 23 anos
84) Osvaldo Moreira Flores, 37 anos
85) Paulo Antonio Ramos, 28 anos
86) Paulo César Moreira, 21 anos
87) Paulo Reis Antunes, 27 anos
88) Paulo Roberto da Luz, 27 anos
89) Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira, 31 anos
90) Paulo Rogério Luiz de Oliveira, 25 anos
91) Reginaldo Ferreira Martins, 23 anos
92) Reginaldo Judici da Silva, 35 anos
93) Robério Azevedo Silva, 27 anos
94) Roberto Alves Vieira, 28 anos
95) Roberto Aparecido Nogueira, 27 anos
96) Roberto Rodrigues Teodoro, 24 anos
97) Rogério Piassa, 27 anos
98) Rogério Presaniuk, 24 anos
99) Ronaldo Aparecido Gasparino, 26 anos
100) Samuel Teixeira de Queiroz, 23 anos
101) Sandoval Batista da Silva, 23 anos
102) Sandro Roberto Bispo de Oliveira*
103) Sérgio Angelo Bonani, 22 anos
104) Stéfano Ward da Silva Prudente, 22 anos
105) Valdemar Bernardo da Silva, 32 anos
106) Valdemir Pereira da Silva, 20 anos
107) Valmir Marques dos Santos, 23 anos
108) Valter Gonçalves Caetano, 21 anos
109) Vanildo Luiz, 23 anos
110) Vivaldo Virgulino dos Santos, 28 anos
111) Walter Antunes Pereira, 28 anos