Artigo: Após o Carandiru…

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

O massacre do Carandiru completa, neste sábado dia 02 de outubro, 29 anos. Até hoje a memória do massacre persiste, assim como a violência nos cárceres. Abaixo, você lê artigo de Marcelo Naves de 2018, analisando que o Carandiru não foi uma exceção, e sim é a forma como o sistema prisional funciona. Confira:

Passadas quase três décadas do maior massacre do sistema carcerário brasileiro, constata-se o permanente avanço das condições que promoveram o assassinato de 111 homens presos na Casa de Detenção do Carandiru. É inevitável e lamentável concluir que o massacre do Carandiru não foi um episódio isolado, mas o modelo de gestão de vidas submetidas ao sistema prisional.

Movimentos sociais promovem ato em memória para relembrar, vinte e quatro anos depois, o massacre do Carandiru. Data:06/10/2016. Local: São Paulo. Foto por Sérgio Silva.

É abundante o número de reportagens, pesquisas e relatórios que enumeram as subumanas condições de sobrevivência das pessoas presas. Da precariedade ou inexistência do atendimento jurídico, de saúde e educacional até os testemunhos de agressões e humilhações, passando pela superlotação das celas, é consenso entre os que sofrem a violência institucional que o cenário é de múltiplas e sofisticadas formas de tortura. O produto são vidas devastadas e estigmatizadas. Como escreveu Primo Levi, lembrando uma vítima do nazismo: “Quem foi torturado permanece torturado. (…) A confiança na humanidade, já abalada pelo primeiro tapa no rosto, demolida posteriormente pela tortura, não se readquire mais”. Investir em aprisionamento e castigos é investir em torturas, vidas torturadas e em morte, já que a tortura é uma “morte interminável”.

Se o sistema carcerário brasileiro é caracterizado por grandes chacinas marcadas por incontáveis mortes, o massacre e o extermínio cotidiano são evidenciados pelas inúmeras agressões e privações vividas pelas pessoas presas resultando, dentre outras coisas, no número de óbitos de pessoas custodiadas pelo sistema penal. O estado de São Paulo, palco do massacre de 2 de outubro de 1992, registra aumento de mortes de pessoas presas. A motivação de tais mortes, além de suicídios e homicídios, são classificadas como “causas naturais”. De acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), entre 2015 e 2017 houve aumento de 14,5% de mortes por “causa natural”. Mas o que vem a ser uma causa natural em um ambiente insalubre, hiperlotado, com enorme incidência de doenças muitas das quais já controladas no conjunto da população (como doenças de pele e tuberculose)? O que vem a ser morte por causa natural onde o atendimento à serviços de saúde é precário? 

A opção pelo encarceramento – marcado pela seletividade – orienta o sistema penal, fazendo o Brasil aumentar a população encarcerada em mais de 7 vezes nos últimos trinta anos, superlotando as cadeias com mais de 720 mil pessoas. Ou seja, são milhares de pessoas presas submetidas à condições desumanas e múltiplas formas de tortura, expostas à maiores possibilidades de morte em comparação ao conjunto da população. Estaríamos, lembrando Hannah Arendt, diante de “massacres administrativos”?

O encarceramento em massa das últimas décadas foi e é uma das principais causas de injustiças, desigualdades e violências. Se repetições do Carandiru marcam o pós Carandiru, trilhar um caminho para que os massacres não mais ocorram passa invariavelmente pela urgente redução da população prisional, assim como pela desnaturalização da punição e da cadeia e pela construção de soluções que extingam o cárcere. A partir daí poderemos viver em uma sociedade “pós-Carandiru”.

 

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