Artigo: A vingança como política institucional

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

“A tortura. Meu Deus, a tortura! A tortura não é uma história do passado. Infelizmente, faz parte da nossa história atual. Como é possível que a capacidade humana para a crueldade seja tão grande?”

Papa Francisco

Na última sexta-feira (28), a polícia militar do Estado de São Paulo iniciou a “Operação Escudo” no Guarujá (SP), em decorrência do assassinato de um soldado da ROTA na quinta-feira (27). Nesta semana, uma policial militar também foi baleada e veio a óbito.

A Operação Escudo tem, portanto, uma motivação institucional de vingança pelas lamentáveis mortes de dois policiais militares. No uso dessa força motriz, as forças de segurança já mataram, até esta quinta-feira (03), ao menos 16 civis. Em maio de 2006, a Polícia Militar do Estado de São Paulo aliada a grupos de extermínio e com o aval do Ministério Público, matou 505 civis em 2 semanas – os Crimes de Maio são ignorados pelas instituições e configuram um número de mortos maior que o Massacre do Carandiru.

A Chacina no Guarujá, os Crimes de Maio e o Massacre do Carandiru, perpetrados pelas forças de segurança pública do Estado têm um denominador em comum: a vingança como política institucional. 

Para cada uma dessas 18 mortes ocorridas nesta última semana na Baixada Santista, há uma mãe, um pai, um filho e uma filha enlutados. E as características predominantes dessas vítimas da morte e do luto são as mesmas da seletividade penal: pessoas pretas, pobres e moradoras de regiões periféricas. Tanto é que em diversos relatos de moradores da região e familiares das vítimas há a presença de flagrantes forjados, provas adulteradas e prisões ilegais. 

A motivação da Operação que sujeitou pessoas moradoras das comunidades da Baixada à morte e ao luto é a mesma que sujeita quase 900 mil pessoas a estarem atrás das grades: a vingança. E ela é usada pelas forças de segurança para fomentar na sociedade civil o medo e a justificativa de que só são mortos/as ou presos/as se são bandidos/as.

Ocorre que esta não é a realidade. Entre as décadas de 70 e 90, o jornalista Caco Barcellos construiu um banco de dados para identificar as pessoas mortas pela ROTA na Grande São Paulo. No período de 22 anos analisado pelo repórter, 65% das vítimas de morte que conseguiu identificar eram inocentes – isto é, não tinham qualquer registro de cometimento de crimes na Grande São Paulo.

Na chacina do Guarujá, um vendedor ambulante, um trabalhador de quiosque na praia e um pedreiro já foram identificados entre os mortos, sem envolvimento com atividades ilícitas. Junto ao corpo do vendedor, que havia saído de casa para comprar cigarro, foram achados pelos familiares cortes nos braços e queimaduras de cigarro, traços que podem indicar tortura antes da execução. Familiares do ajudante de pedreiro afirmaram que ele foi morto quando ainda estava em sua cama. Ainda, moradores da região afirmaram que os policiais da ROTA iriam matar 60 pessoas.

No banco de dados do jornalista, trazido no livro Rota 66, foram 400 policiais militares mortos no período de 1985 a 1991. No mesmo período, segundo os dados oficiais, foram mortos 2.599 civis – isto é, proporção de 15 civis para cada vítima da PM.

Esta proporção escabrosa de assassinatos é o modus operandi da PM nos estados do Brasil. E, no caso da chacina do Guarujá, a desproporção recebe o aval do Poder Público, já que o Governador Tarcísio de Freitas afirmou que “não houve excesso” e que estava “extremamente satisfeito” com a operação policial, permitindo que ela dure por mais 30 dias. 

A vingança institucionalizada há décadas faz com que, para as pessoas pretas, pobres e periféricas, reste o encarceramento, a morte e o luto. As políticas públicas para essa população são a prisão, a bala e o descaso. 

A Pastoral Carcerária Nacional expressa, portanto, solidariedade às vítimas desta guerra brutal que mata e encarcera tantos e tantas todos os dias nas periferias do Brasil. A política institucional para lidar com os nossos irmãos e irmãs não deve ser a da vingança, mas a do cuidado. Nos unimos às mães e familiares dos e das assassinados/as pelo Estado para dizer: nossos mortos têm voz.

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