10 anos após ‘Crimes de Maio’, violência da segurança pública paulista continua

 Em Combate e Prevenção à Tortura

Crimes de MaioEntre 12 e 26 de maio de 2006, em todo o Estado de São Paulo, 564 pessoas foram assassinadas por arma de fogo, sendo 505 civis e 59 agentes da Segurança Pública. O curto intervalo de tempo para o elevado número de mortes tem uma justificativa: a retaliação da Polícia Militar pelos motins simultâneos do PCC em 74 unidades prisionais paulistas. Em uma “postura justiceira”, a polícia “matava primeiro e se informava sobre quem era depois”.
“O meu filho era aluno da escola. Foram duas estudantes que morreram naquele dia e muitos outros, a maioria, mais de 90%, eram pessoas que nunca tiveram passagem pela Justiça”, recordou o senhor João Inocêncio, pai do jovem Matheus, assinado durante o período que ficou conhecido como o dos “Crimes de Maio”.
João Inocêncio foi um dos participantes do seminário “10 Anos dos Crimes de Maio”, realizado em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), para dar visibilidade ao acontecido e cobrar a falta de investigação do Estado pelos crimes.
A partir do evento, o IBCCRIM produziu um vídeo, com entrevistas de Débora Maria, Vera Lúcia e João Inocêncio, Mães e Pai de Maio, e Ariadne Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP.
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Débora Maria teve o filho Edson assassinado nos Crimes de Maio. Ela transformou a dor em luta contra as atrocidades da Segurança Pública e ajudou a criar o Movimento Independente Mães de Maio. “Os crimes de maio, na nossa leitura como mães, representam o crime da impunidade. Quando a gente vê, no espaço de uma semana, em maio de 2006, se matam mais de 600 jovens, fora os desaparecidos, e os inquéritos são todos arquivados, se coloca em xeque tanto a polícia investigativa, judiciária, quanto a perícia do nosso país, e também o judiciário”, afirma no vídeo.
Ariadne Natal, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, considera que tal situação “foi um marco, foi um ponto onde aquilo ficou muito evidente as dinâmicas de extermínio da nossa polícia e do nosso estado ficaram evidentes naquele episódio, mas aquilo não se encerrou ali”, afirmou, dizendo que a lembrança da data anualmente busca “trazer isso à tona novamente, é uma forma de pressionar para que este tipo de ação não volte a acontecer”.
As atrocidades continuam e a luta também
Ao longo do evento, foi recordado que nos dois primeiros meses deste ano, a Polícia Militar de São Paulo matou 137 pessoas, ou seja, duas por dia, e que em 2014 e 2015, houve recorde de violência policial, mas nada se faz para conter isso.
Outro dado dessa violência sistêmica por parte do Estado é que de julho de 1995 a abril 2014, a PM matou 10.152 pessoas, sendo que entre 2008 e 2012, a PM paulista matou quase 10 vezes mais do que todas as polícias dos Estados Unidos.
No enfrentamento à violência do Estado contra a população pobre, negra e periférica, o Movimento Independente Mães de Maio, o CDHEP – Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo e a Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo lançaram em 2014 a Agenda “Segurança Pública e Direitos Humanos no Estado de São Paulo: por uma agenda de desencarceramento e desmilitarização”.
Entre os pontos propostos pela Agenda está a “Redução Gradual do Efetivo Policial, Extinção das ‘Tropas de Elite’, Estruturação de Mecanismos Efetivos de Controle Social sobre as Polícias e Reparação Integral às vítimas de violência estatal”.
Conforme consta no texto do documento, “é tão recorrente quando enganadora a solução do aumento do efetivo de policiais nas ruas para a questão do aumento da violência. Tal resposta acaba por camuflar as motivações reais por trás da defesa da expansão policial: ao eleger o registro oficial de crimes contra o patrimônio como referência para a medição da violência e ignorar as diversas violências estruturais expressas na absoluta precarização dos serviços públicos a que são submetidas as camadas populares, inverte-se a realidade para transformar violentados em violentadores e, a partir de tal artifício ideológico, transformá-los também em inimigos da sociedade, contra os quais todo tipo de arbítrio e violência seriam autorizados. De fato, a Polícia Militar é justamente aquela em relação à qual a população periférica e de rua fica mais vulnerável, vez que atua ostensivamente nas ruas, tem caráter eminentemente repressivo e aborda, em regra, os mesmos de sempre: pobres, jovens e negros”.
Diante desse contexto, conforme a Agenda, “o aumento do efetivo da Polícia Militar serve ao interesse de acuar, ainda mais, aquela população que menos tem acesso aos serviços públicos mais básicos. Frente à profunda desigualdade social, o crescimento da Polícia Militar em lugares carentes da promoção de direitos básicos só faz aumentar a violência e o embrutecimento social. Por essas razões, para além de afastar medidas de aumento do efetivo policial, é também recomendável que se inicie, o quanto antes, processo de gradual redução do número de policiais, com a drenagem dos recursos para a estruturação de serviços sociais básicos. Nesse sentido, impõe-se a imediata extinção das chamadas ‘tropas de elite’ ou ‘destacamentos especiais’, como a ROTA, a Tropa de Choque e a Força Tática, na medida em que, aprofundando a lógica de guerra intrínseca à própria Polícia Militar, tais destacamentos explicitam relação de guerra contra, como já dito, a juventude pobre e negra, tratada como inimiga e não como parte integrante do Estado brasileiro, juridicamente denominado democrático e de direito”.
Ainda na Agenda, as entidades lembram que importa “criar, estruturar e consolidar mecanismos de controle popular direto sobre as forças policiais, como, por exemplo, Corregedoria e Ouvidoria externas às carreiras e com membros escolhidos pelo povo, dotando tais mecanismos de prerrogativas legais de controle É necessário, ainda, estabelecer legislação clara e restritiva de atuação policial, em especial no que se refere à medida proposta acima de ‘reorientação das forças policiais para extinguir as práticas de abordagens e revistas abusivas’ e à restrição do uso de armas de fogo, com vistas ao gradual desarmamento do efetivo policial. Por fim, é essencial a construção e a efetivação de política estadual de reparação integral às vítimas diretas, colaterais e conexas da violência e abuso de poder de agentes estatais.
 
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