Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) contra uma lei proposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado (Alesp), em 2013, com o aval do governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Em linhas gerais, a lei prevê a criação de dez departamentos centralizados para a execução penal em São Paulo, as chamadas “Super VEC [Vara de Execução Criminal]”, que serão compostos por juízes nomeados exclusivamente pelo Conselho Superior da Magistratura paulista.
As “Super VEC”, previstas em lei, são grandes varas criminais que concentrariam os juízes dos departamentos regionais em cidades-chave do estado. A ideia vai de encontro às recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que recomenda a regionalização das Varas Criminais. “O CNJ entende que, para ampliar o acesso à justiça, deve-se trazer o juiz para próximo do povo, e não deixá-lo encastelado em grandes cidades, próximo às elites”, afirma Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da ONG Conectas Direitos Humanos, que protocolou juntamente com a Pastoral Carcerária parecer favorável à ADIn, em 18 de dezembro.
Ao mesmo tempo em que centralizam, as “Super VEC” também dificultam o cumprimento da Lei de Execução Penal, de 1984, que obriga o juiz a inspecionar, ao menos uma vez ao mês, a unidade prisional sob sua responsabilidade. “Ao centralizar os magistrados em um só prédio, a nova lei afasta o juiz de sua área de atuação e, com isso, legaliza-se o que já acontece na prática: a negligência em relação à inspeção dos presídios no estado”, argumenta Custódio.
No relatório final da Comissão Nacional da Verdade, apresentado em 10 de dezembro, foi recomendado ao Estado brasileiro a inspeção dos presídios e o controle social do sistema judiciário como principal forma de fiscalizar e acabar com a violação sistemática dos Direitos Humanos verificada nas prisões brasileiras.
Afinidade ideológica
Mais grave, porém, é a eleição do corpo de juízes das “Super VEC” ser exclusiva do Conselho Superior da Magistratura. Para Custódio, esse modelo abrirá espaço para a indicação arbitrária e pessoal de juízes alinhados ideologicamente com a cúpula do TJ-SP.
“Isso faz parte de um processo de controle por parte do TJ-SP que, ao indicar o juiz que atua nos inquéritos e, agora, executa as penas, retira a independência e imparcialidade de todo o sistema Judiciário”, afirma Paulo Cesar Malvezzi Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária. “Se isso se concretizar, será o combustível perfeito para a máquina de aprisionamento e deterioração dos direitos dos presos”, completa Custódio, da ONG Conectas.
O posicionamento ideológico do Judiciário paulista é ilustrado pelo afastamento informal do juiz Roberto Corcioli após uma representação do Ministério Público de São Paulo contrária às decisões do juiz. Desde o início de 2014, Corcioli segue afastado de suas atribuições na área criminal sem nenhuma justificativa da cúpula do TJ-SP. Entidades e outros juristas atribuem o perfil progressista do magistrado como a razão para seu afastamento.
“O TJ de São Paulo é notoriamente conservador e segue o desejo de vingança que a sociedade paulista tem em relação a seus presos. A gente foca a culpa do sistema carcerário na polícia e no rigor de algumas leis, mas o Judiciário também tem culpa pelo encarceramento em massa”, afirma Malvezzi Filho. “A preocupação é que esse comportamento conservador se reflita nas Super VEC”, completa.
Hoje, o Estado de São Paulo possui a maior população carcerária do Brasil, com mais de 200 mil presos. Para efeito de comparação, os presos paulistas superam em 40% a população carcerária de Argentina e Alemanha somadas. Ao mesmo tempo, grande parte dos presos nem sequer tive acesso a um julgamento e aguarda em Centros de Detenção Provisória (CDP), como o de Pinheiros, na cidade São Paulo, que abriga 6 mil detentos onde cabe apenas 2 mil.
Assinam a ADIn, juntamente com a Conectas e a Pastoral Carcerária, entidades do sistema judiciário paulista como a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Ordem dos Advogados e a Associação de Juízes para a Democracia.
Fonte: Carta Capital