A Pastoral Carcerária, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e a Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas produziu uma série de entrevistas e vídeos com Cristiano Maronna, secretário executivo da Plataforma, para discutir e ampliar o debate sobre um dos pontos da Agenda Nacional Pelo Desencarceramento: o combate à criminalização do uso e comércio de drogas.
Nesta parte final, Cristiano expõe as medidas que o IBCCRIM e a Plataforma defendem em relação a uma política de drogas para o Brasil.
“Estão presas 300 mil pessoas a mais que o sistema comporta. Isso é grave, urgente e precisa ser resolvido agora, não dá para esperar uma reflexão mais aprofundada. Uma das medidas que propomos é em relação à lei de drogas. Propomos descriminalizar a posse para consumo, e o chamado tráfico privilegiado, em que o agente, apesar de ser traficante, tem uma redução de pena de um a dois terços quando não tem vínculo, não tem antecedentes criminais, ou seja, o conjunto de circunstâncias indica não se tratar não de um caso grave. Isso por si só já resolveria”.
Confira a entrevista completa abaixo:
Você mencionou o judiciário e as penas que usuários recebem. Não é uma contradição prender usuários, já que nas cadeias há muitas drogas e grupos que administram o mercado varejista de drogas?
Pois é. O grande problema é não conseguimos ter uma discussão racional quando o assunto é política criminal. Em tempos em que instituições que deveriam exigir o cumprimento da lei se dedicam a criticar o que eles chamam de “bandidolatria”, infelizmente o referencial teórico se perde.
É uma estupidez prender usuários, e mesmo traficantes, pois na maioria das vezes são presas pessoas que tem pouca ligação com o tráfico, com pouca quantidade de drogas, sem armas. Essas pessoas não deviam ser encarceradas. Encarcerar elas significa transformá-las em pessoas perigosas. O Darcy Ribeiro disse que a prisão é a forma mais cara de piorar uma pessoa, e ele tem razão.
A pessoa entra na prisão, imediatamente ela é cooptada pelo crime organizado. Essa é uma discussão urgente para a sociedade brasileira travar. Mas infelizmente esse discurso fácil que alguns políticos brasileiros travam, de que é preciso aumentar a punição, criar novos tipos de crimes, aumentar as penas, é um discurso contrário aos interesses nacionais.
Quais medidas o IBCCRIM e a Plataforma defendem?
O IBCCRIM, junto com a PCr, juízes pela democracia e o centro de descriminalização da UnB, apresentou 16 propostas contra o encarceramento em massa, que não são o nosso modelo ideal de legislação, mas são medidas emergenciais para tentar atingir o problema que estamos vivendo hoje que é a prisão, e se o problema hoje é a prisão, precisamos tirar as pessoas de lá, não basta apenas não prender.
Estão presas 300 mil pessoas a mais que o sistema comporta. Isso é grave, urgente e precisa ser resolvido agora, não dá para esperar uma reflexão mais aprofundada. Para além dessas medidas, nós temos diversas propostas.
Em relação à lei de drogas, propomos descriminalizar a posse para consumo, e o chamado tráfico privilegiado, em que o agente, apesar de ser traficante, tem uma redução de pena de um a dois terços quando não tem vínculo, não tem antecedentes criminais, ou seja, o conjunto de circunstâncias indica não se tratar não de um caso grave. Isso por si só já resolveria.
Os juízes brasileiros tendem a impedir que essa diminuição seja aplicada. Então nós estamos propondo que o tráfico privilegiado seja transformado num crime de menor potencial ofensivo, e que seja punido apenas com penas alternativas à prisão. É uma medida despenalizadora.
Nós temos participado de discussões em vários fóruns internacionais onde a necessidade de novas abordagens vem prevalecendo. O consenso abolicionista que existia no passado hoje desapareceu. Há uma fratura, especialmente em países da América Latina, México e Colômbia que estão buscando outras formas de lidar com a questão das drogas.
Na plataforma estamos envolvidos nessa discussão, participamos de diversas iniciativas para tentar criar o marco regulatório da maconha medicinal, estamos discutindo possibilidades de regulação no que diz respeito a maconha não medicinal, temos o interesse de discutir a regulação de outra drogas, como a cocaína, que é uma questão importante, pouco discutida.
O uso de psicodélicos envolvido em terapias, como LSD, MMA. Estamos consolidando discussões, amadurecendo ideias e a intenção é que a gente logo tenha algo mais concreto para apresentar.
Mas por hora, temos essa reflexão de que a política de drogas deve se afastar do sistema de justiça criminal e deve se aproximar de uma abordagem que garanta saúde, direitos humanos e redução de danos.