“Deixai vir a mim as crianças”: como o cárcere afeta a vida dos filhos e filhas de pessoas presas

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Texto por: Mayra Balan, Thainá Barroso, Carolina Dutra e Isadora Meier

O art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal de 1988 apresenta o “princípio da intranscendência” ou “da personalidade da pena”, segundo o qual, para ser considerada constitucional, uma sanção penal não pode ultrapassar a pessoa do condenado. Os efeitos abarcados por esse princípio, no entanto, seriam somente aqueles relativos às penas como a privativa de liberdade e a de multa, de forma que outras decorrências lógicas do cárcere, como o rompimento dos vínculos familiares e as infâncias vividas sem a presença de pais e mães que foram privados de liberdade, são entendidos pelo Estado como “males necessários”.

Quando o cárcere atravessa a vida de uma pessoa, toda uma rede de familiares sofre as consequências dessa pena. Não seria possível, portanto, considerar uma “intranscendência” da sanção penal, na medida em que a prisão, de algum modo, direta ou indiretamente, sempre afeta pessoas relacionadas a quem ela se dirige. Esses vínculos familiares, inclusive, são mobilizados constantemente pelo cárcere em prol de seu abastecimento e de sua manutenção – mediante envio de itens de higiene pessoal, remédios, alimentos, entre outros – demonstrando uma lógica perversa de capitalização de afetos daqueles que se relacionam com pessoas presas.

Nesse contexto, faz-se imprescindível uma atenção especial às crianças e adolescentes cujos familiares (pais, avós, tios, etc.) são submetidos a penas privativas de liberdade. Isso porque essas crianças, para terem acesso a seus familiares, precisam circular por estabelecimentos penais, de forma que passam a ser expostas a infraestruturas precárias e insalubres, arbitrariedades de agentes penitenciários, revistas corporais e escassez de alimentos, recursos e atividades de lazer. Ademais, assim como seus parentes apenados, elas passam a ser alvo de estigmas e rótulos em seus espaços e convivência. A infância jamais deveria ser vivenciada em espaços e contextos de tamanha violência.

Tendo em vista a realidade inóspita do sistema carcerário brasileiro, não é incomum que pais e mães privados de liberdade peçam a seus parentes que não os visitem e, especialmente, que não submetam seus filhos aos procedimentos de visita familiar. Essa triste realidade acarreta graves consequências, na medida em que enfraquece os laços familiares e gera sofrimento a todos os envolvidos. 

Dentre as denúncias recebidas pela Pastoral Carcerária Nacional, também são diversos os relatos de proibição ou restrição de visitas em unidades penais como forma de sanção disciplinar, ou então de recolhimento da pessoa presa em estabelecimento distante do local onde possui laços de convívio social. Essas medidas, para além de ilegais, constituem outra forma de rompimento de vínculos familiares, todavia, agora partindo de determinações arbitrárias da direção de presídios.

 

O artigo 227 da Constituição Federal prevê a proteção integral da criança e do adolescente, considerando o seu status de vulnerabilidade e de desenvolvimento. A responsabilidade de tal proteção, assim, recai igualmente ao Estado, à família e à sociedade. Parece impossível, todavia, que uma proteção real aos direitos de crianças e adolescentes ocorra enquanto o modelo de encarceramento se mantiver em voga. 

As crianças devem ser guiadas a uma vida de dignidade, não de privações, afinal: “Jesus, porém, disse: Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas” (Mateus 19:14). Neste dia 12 de outubro, Dia de Nossa Senhora Aparecida e, também, Dia das Crianças, lembramos que lutar por um mundo sem cárceres significa não submeter aqueles que deveriam ser protegidos e priorizados pela sociedade como um todo a contextos de tamanho sofrimento e violência. 

 

 

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