Estamos vivenciando mais uma Campanha da Fraternidade, desta vez, refletindo sobre o tema da fome. Aliás, é a terceira vez que a igreja reflete sobre a triste realidade da falta do pão, como em 1975, “Repartir o pão” e em 1985, “Pão para quem tem fome”. No contexto em que vivemos, os dados oficiais indicam que temos mais de 33 milhões de pessoas que passam fome no nosso país, isso não contando os que vivem nas ruas sem identificação, como os anônimos.
O tema da campanha deste ano é “A Fraternidade e a Fome” e o lema é o que existe de mais sugestivo no Evangelho: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Marcos 6,34-44). Jesus deixa claro que a fome é um problema de todos nós: das igrejas, de cada pessoa na sua individualidade e da sociedade. A fome é um problema social e uma situação escandalosa para o nosso país. Cabe lembrar que o Brasil é um grande exportador de grãos para o mundo, isto é, as melhores sementes, os melhores grãos são levados para fora do país e mesmo assim ainda sobra comida. Portanto, a fome não pode ser justificada numa realidade com muita alimentação produzida e acumulada.
Então, nos surge alguns questionamentos: por que existe a fome no Brasil? Por que existe a fome no mundo?
Para reponde-los, devemos enxergar que a realidade da fome é fruto da desigualdade social. O texto da campanha da Fraternidade nos lembra algumas das causas da fome no Brasil: má distribuição da terra, ausência da reforma agrária (o que permite a terra concentrada nas mãos de poucos), o salário abaixo da inflação, o desemprego, o subemprego, a corrupção, o desperdício dos alimentos (quanta comida é jogada fora até mesmo do dia a dia das famílias!).
Lembrar dessas causas nos mostra como o pão existe não para ser guardado e acumulado, mas sim para ser partilhado. Pão partilhado é pão multiplicado e abençoado. Desse modo, quando o pão não é partilhado, ele se transforma numa situação de morte e condenação.
Relembrando a conhecida parábola do rico e Lázaro (Lucas 16,19-31), podemos nos perguntar qual foi a desgraça do rico. Em reflexão, é possível reconhecer que não foi a riqueza em si, mas a falta de sensibilidade, uma vez que a riqueza e o dinheiro se tornaram mais importantes do que o ser humano. Assim, Lázaro se tornou invisível e, por isso, morreu de fome diante das mesas fartas da casa do rico.
Logo, a Campanha da Fraternidade nos vem lembrar que a fome tem cor e tem nome, pois são os negros, pobres, mulheres, crianças, idosos e periféricos que vivem a experiência da fome, de modo particular nas regiões Norte e Nordeste. Quem tem três refeições além do lanche pensa que todos também se alimentam assim e ignoram a realidade dos que morrem por não se alimentarem.
Em nossas comunidades, quando uma pessoa está doente são mobilizadas várias campanhas de ajuda; contudo, a fome, a grande causadora das doenças, é ignorada. Por isso, precisamos nos atentar que muitas pessoas doentes são o sinal de uma alimentação de baixa qualidade e, com isso, colocarmos em prática a mensagem de uma frase conhecida: “Teu remédio é a tua comida”.
Outro ponto a ser destacado é que a fome também se faz presente nos presídios do Brasil. A comida servida é de péssima qualidade. Nem o pão é servido em muitas unidades. É um escândalo a família pobre que já não tem o que para se alimentar precisar ajudar a manter a alimentação dos presídios. O Estado, de forma irresponsável, não cumpre com esse dever que está na Execução Penal. A fome nas unidades prisionais vai além do pão. Encontramos a fome de justiça (uma das mais gritantes), fome de paz, fome de atenção, fome de assistência em todos os aspectos.
O Papa Francisco vem nos ensinando sobre a cultura do cuidado que é a vivência do Evangelho: o cuidado com a vida, o cuidado com o outro. Mas qual é o valor e qual a atenção que estamos dando ao nosso semelhante? Como vamos rezar e celebrar a páscoa se estamos alheios e indiferentes a estas realidades que envolvem os nossos irmãos e irmãs? O que significa conversão, oração, jejum, caridade diante da realidade que se apresenta nesta temática da Campanha deste ano?
Com base nessas perguntas, devemos fazer a Campanha da Fraternidade acontecer. Não podemos transferir para os outros essa responsabilidade, pois ela é de cada pessoa e de toda comunidade. “Onde está teu irmão?”, pergunta Deus a Caim e a nós também (Genesis 4).
Quem não se torna fraterno, longe de Deus permanece. Mesmo que reze muito, somente a oração não o aproxima. Não basta ser católico. O mais importante é passar do ser católico ao ser cristão, ser discípula e discípulo do mestre.
PE. BOSCO
16/03/2023