A Pastoral Carcerária (PCr), aliada a outras organizações sociais, como o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e Amparar, assinaram um documento pedindo o fim da revista vexatória, em apoio à ação civil pública sobre denúncias das práticas em um presídio de Guarulhos em 2014.
Na última quinta-feira (09), as organizações fizeram um apelo urgente encaminhado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para que solicitem informações sobre a continuidade da revista vexatória no Brasil.
A ação, que pede uma indenização de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), foi proposta pela Conectas Direitos Humanos, depois de receber diversas denúncias sobre as práticas desumanas sofridas por familiares ao tentar realizar visitas no presídio.
A advogada da PCr, Mayra Balan, explica que o processo da revista consiste em agachar-se nua em cima de um espelho e tossir três vezes. Com o surgimento do aparelho de scanner corporal, a revista vexatória ganhou novos contornos. Por exemplo: caso uma mancha seja detectada no scanner, a pessoa é acusada de estar transportando substâncias ilícitas.
Para averiguação, os possíveis encaminhamentos são a revista vexatória, a reclusão em uma sala apertada até que a mancha saia sozinha, ou ser levada a um hospital para realizar uma lavagem estomacal.
“Assim como as demais tecnologias de tortura operantes no cárcere, a revista vexatória também se modificou com o tempo. Mas nunca deixou de ser um estupro institucionalizado”. Mayra analisa que em qualquer outro lugar, o ato seria classificado como estupro, mas como as pessoas presas e suas/seus familiares são vistas como indignas de qualquer direito, a revista continua acontecendo.
Ao fazer com que o corpo dos familiares se torne um objeto passível à violação de direitos, o visitante se sente humilhado. O ocorrido diminui a probabilidade de um retorno e resulta na redução de visitas e na fragilização dos laços familiares.
A revista vexatória age como uma segunda forma de penalização à pessoa condenada, mas estendida a terceiros, inclusive crianças e idosos que são colocados em uma situação cruel, degradante e ineficaz, já que poucas apreensões são de fato realizadas.
A PCr defende que as poucas provas obtidas pela revista deveriam ser consideradas ilícitas e não ser admitidas no processo penal. No entanto, as autoridades judiciais validam essas provas e incentivam a realização das revistas, mesmo que de forma indireta, por meio da conivência.
Apesar das novas regras de visitas e do uso do body scanner, a Pastoral ainda recebe denúncias de visitantes que são forçadas a se despirem. Algumas vezes as revistas são feitas em grupos de desconhecidos e por agentes do gênero masculino.
Mayra relembra que em 2014, a Pastoral Carcerária Nacional e diversas outras organizações de defesa dos Direitos Humanos iniciaram a Campanha Pelo Fim da Revista Vexatória.
“À época, diversas legislações estaduais foram aprovadas e sancionadas. E foi nesse momento que a Conectas propôs a Ação Civil Pública, solicitando indenização para as pessoas que foram vítimas de revista vexatória nos Centros de Detenção Provisória I e II de Guarulhos (SP)”.
Em 2023, a PCr e o ITTC solicitaram a participação no processo através da condição de amicus curiae, que possibilita o fornecimento de dados e informações por parte das instituições, a fim de auxiliar no julgamento da causa.
No último relatório lançado pela Pastoral, Vozes e Dados da Tortura em Tempos de Encarceramento em Massa, foi trazido um relato da continuidade da prática: “Visitas são barradas por motivos fúteis e ridículos, total opressão dos agentes, onde visitas vem sendo barradas e humilhadas, por causa de top e calcinha que estão dentro das normas. A cada visita os próprios agentes criam regras arbitrárias apenas para oprimir e barrar visitas, que apesar do scanner e das novas regras de revista, vem sendo obrigadas a se despir e passar por revista corporal”.
“Foram observadas novas tecnologias de estupro institucionalizado, passando muito pelo constrangimento. Sem profissionais treinados, as máquinas de bodyscanner, que já foram vistas como um avanço, são utilizadas como método de tortura”, denuncia a advogada.
Mayra relembra a fala de Heidi Cerneka, coordenadora nacional para a Questão da Mulher Presa da PCr na época da campanha em 2014: “A proposta da Rede com a campanha é acabar com a revista, porque a revista em si, nós entedemos que é ilegal e ofende a integridade da pessoa humana. Para nós, é secundário que a revista seja o que evita a entrada de drogas, não é e não vai ser a maneira de o Estado lidar com isso. Para nós, a questão primordial é que não se pode tratar o ser humano como suspeito de crime só porque tem parente preso”.
A advogada reafirma a reflexão de Heidi e acrescenta que “a revista, por si só, é violadora da dignidade das/os familiares de pessoas presas e precisa acabar”.
No mesmo documento as organizações Conectas, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Rede Justiça Criminal, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, PCr, ITTC, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Amparar e Organização Mudial Contra Tortura (OMTC), pedem que a prática seja considerada ilegal.