II Seminário Internacional Amparar aborda falta de responsabilidade do Estado e impacto sofrido pelos filhos de pessoas presas

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Por Isabela Menedim

 

Nos dias 16, 17 e 18 de novembro, o Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP recebeu palestrantes e plateia nacionais e internacionais para a realização do II Seminário Internacional Amparar, com o tema “Tecendo redes globais pelo fim das prisões”.

O primeiro dia do encontro contou com uma celebração inter-religiosa, com falas de Padre Assis Tavares, Mãe Marisa, Pastor Orivaldo e Pai Valter, que desejaram um bom encontro e bons trabalhos.

“Frisamos a questão da união das mulheres através da dor, para transformar lutos em lutas pelos becos, vielas, periferias e por onde mais estiverem”, relata Pe. Assis.

No segundo dia, a mesa sobre o impacto da política prisional na vida de filhas/os/es de pessoas presas e sobreviventes do cárcere foi iniciada por Fernanda*, de 14 anos, que compartilhou emocionada as consequências que sofre no seu cotidiano por conta da prisão de sua mãe. 

A menina conta que a escola, um lugar onde deveria se sentir segura e acolhida, é cenário para muitas situações de preconceito explícito. Não só da parte dos colegas, mas dos próprios funcionários da escola, que também a discriminam, causando um incentivo indireto para que alunos continuem com a perseguição. 

Fernanda revela ter se acostumado a passar pela humilhação da revista vexatória e defende que não é algo a que crianças deveriam se submeter. Ela também relata que, na hora de ir embora “Os agentes fechavam a porta com muita ignorância e sem se importar com as crianças, idosos e deficientes”.

Ela conclui ao trazer uma lembrança que testemunhou lá dentro: a solidariedade com as pessoas que não recebiam visitas. “Tem muita gente boa lá, e eles compartilhavam mesmo sabendo que poderiam ficar sem”.

Em seguida, Laura Vargas, de 18 anos e do coletivo Mujeres Libres da Colômbia, agradeceu a Amparar por escutar as palavras dos filhos de pessoas presas que sofrem diretamente as consequências das penalizações dos seus familiares.

Laura conta que a mãe foi presa quando ela tinha quatro anos, e que assim como outras crianças que passaram pela mesma situação, teve que assumir alguns papéis adultos e aprender a se virar da maneira que conseguisse. 

A jovem colombiana enfatiza que muitas vezes os familiares decidem não contar para os filhos sobre o que estão passando, e incentiva que comecem a compartilhar mais com eles. “Por sermos menores os adultos pensam que não podem falar com a gente, mas somos muito mais fortes do que eles acreditam”.Ela pede para que continuem trazendo jovens adolescentes para reuniões, e que levem em consideração a importância de suas opiniões. “Nós também temos voz, merecemos representar nós mesmos e desejamos isso”, finaliza.

O coordenador do Projeto Meninos e Meninas de Rua, Markinhus Souza, disse que o Estado não se compromete na reparação e não se responsabiliza pelos danos causados a essas crianças e adolescentes em decorrência do encarceramento em massa.

Ele sugere que se insiram mais pesquisadores para estudar o tema e que a falta de informação é o maior desafio, pois “As universidade e locais de pesquisa tem pouquíssimo material sobre o impacto do encarceramento na vida desses jovens”.

De acordo com Markinhus, algumas crianças que têm familiares presos apresentam baixo rendimento acadêmico, e as escolas não sabem lidar com alunos que fogem do padrão. A falta de concentração e a dificuldade em resolver as tarefas podem resultar na evasão escolar ou em casos de isolamento e agressividade.

Além de não receber apoio nos colégios, essas crianças e adolescentes ainda devem visitar seus familiares em locais precários e inóspitos. “O Estado não quer adequar o lugar, que é extremamente desumanizado, para que as pessoas recebam seus filhos”.

Markinhus conclui reforçando a necessidade de mais informação e pesquisa, pois, segundo ele, possuímos dados da quantidade de cachorros abandonados, mas não temos ideia de quantas crianças são impactadas pelo encarceramento dos seus familiares.

Nathiely Rodrigues, da Amparar, conta que desde que era uma menina de sete anos, cuidava e alimentava os irmãos mais novos enquanto sua mãe visitava o padrasto na prisão. Alguns anos depois, sua mãe foi presa e as crianças passaram a morar com a avó, que não permitia que a visitassem. 

Dois anos atrás, sua mãe foi privada de liberdade novamente, e embora estejam em estados diferentes, as duas trocam cartas frequentemente, enquanto Nathiely planeja uma viagem para ir visitá-la. 

 

Mais tarde, ocorreu a mesa sobre raça e encarceramento, que abordou temas como a ligação entre a justiça criminal e a estruturação do racismo, como a escravidão reflete no encarceramento da população negra nos dias de hoje, e relatos sobre vivências dentro do cárcere no Brasil, Estados Unidos e Colômbia.

*O nome foi alterado para preservação de identidade

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