Artigo – A máquina de moer mulheres a todo vapor

 Em Mulher Encarcerada, Notícias

Pelo GT Mulher da PCr Nacional 

A punição de maior gravidade existente dentro do sistema penal brasileiro é a pena privativa de liberdade. O debate carcerário é extremamente complexo, constituindo-se de diversos fatores, dentre eles, o encarceramento feminino e toda sua singularidade.

Apesar do crescimento massivo no número de mulheres no sistema prisional, as políticas carcerárias ainda demonstram resquícios patriarcais advindos de sua criação, não contribuindo para a inclusão social dessas mulheres, as deixando à mercê da própria sorte, e seus impactos são preocupantes, pois causam danos irreversíveis para elas e sua família.

Como herança, ainda temos um Estado patriarcal incapaz de lembrar das demandas que compõem o universo feminino, tratando com total ignorância e descaso às peculiaridades quanto à etnia, orientação sexual, idade, identidade de gênero, sexualidade, entre outras.

A quinta edição do World Female Imprisonment List, levantamento global sobre mulheres encarceradas realizado pelo Instituto de Pesquisa em Políticas Criminal e de Justiça (ICPR) do Reino Unido mostrou que o Brasil ultrapassou a Rússia no número de mulheres privadas de liberdade, ocupando atualmente a 3ª posição no ranking de países que mais aprisionam mulheres, ficando atrás dos Estados Unidos e da China, respectivamente.

Segundo o Instituto, cerca de 42.694 mulheres estão aprisionadas, no Brasil, atualmente. Por outro lado, segundo os dados fragilizados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 2000 o Brasil mantinha encarceradas cerca de 5.600 mulheres. Essa comparação revela um aumento de 667,21% no encarceramento feminino nos últimos 22 anos. O número de mulheres privadas de liberdade cresceu mais de seis vezes no período.

Esse encarceramento em massa feminino não para, pois os números do Conselho Nacional de Justiça são ainda mais assustadores. Segundo o CNJ, no dia 27 de outubro de 2022, cerca de 47.367 mulheres estão privadas de liberdade. Se compararmos com o início da guinada punitivista misógina, de 2000 a 2022 houve um aumento de mais de 745%.

Esses dados mostram que o Brasil está mantendo ativa sua rigorosa política genocida de encarcerar mulheres pretas e pobres, caminhando na contramão do mundo. Enquanto vários países estão adotando medidas de desencarceramento, o Brasil insiste em prender mulheres marginalizadas, que foram deliberadamente excluídas do modo de produção.

A estratégia por trás dessa gulosa dinâmica de prender a todo custo se sustenta no racismo estrutural e no patriarcado, que alimentam o modo de produção. Quanto mais as mulheres se empoderam e conquistam espaços antes taxados como masculinos, mais o modo de produção se abala, direcionando o armamento penal para atacar as mulheres. A prisão funciona, nesse cenário, como dispositivo de manutenção do poderio macho, burguês, branco, cis, hétero e opressor.

Ela serve apenas como depósito de seres humanos, sem direitos, exilados da sociedade e, no cenário desigual e recheado de valores morais conservadores, é mais um elo das múltiplas violências que conformam a trajetória da população feminina.

Nesse caminho, a criminalização do uso, da produção e do comércio de drogas tem se instrumentalizado no principal meio de caça e captura às mulheres pretas. Diante da criminalização, do proibicionismo e da exclusão social, muitas mulheres são cooptadas pelo tráfico para transportarem drogas, posicionando-as na vitrine dessa dinâmica mercantil.

A situação das mulheres encarceradas se agrava ainda mais quando pensamos nas milhares de mães que estão atrás das grades. Segundo dados do Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), 1.263 mulheres com filhos de até 12 anos estão privadas de liberdade, mesmo podendo permanecer em regime domiciliar segundo o Código de Processo Penal.

Precisamos trazer presente que esse aumento do encarceramento feminino teve como pano de fundo a prisão preventiva nos casos de acusações de crimes ligados às drogas e sem violência com aplicação de penas altíssimas, dificultando a liberdade, pois não tem como pagar multas e fianças e não ter acesso à Defensoria Pública.

O Estado Penal, por outro lado, para se manter de pé e se enriquecer, precisa vestir a fantasia de que está “combatendo o crime”, direcionando seu armamento bélico para a captura de comerciantes varejistas da droga. É a partir dessas relações que milhares de mulheres são privadas de liberdade e torturadas.

Observamos em nossas visitas pastorais que as mulheres privadas de liberdade tem históricos anteriores de traumas, problemas de saúde mental, desamparo, uso problemático de drogas e álcool, violência doméstica, sexual … a prisão traumatiza novamente essas mulheres e as distancia ainda mais das redes de apoio, aumentando o estigma aos olhos da sociedade, impedindo a reconquista de uma vida nova, fora do cárcere.

Não existe luta feminista e antirracista sem a luta abolicionista. Muitas vezes, a prisão perpetua a violência estatal e estrutural. Por isso, diante dessa realidade que violenta incessantemente as mulheres presas, precisamos nos juntar na luta pelo desencarceramento, por um mundo sem prisões.

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