50 anos de luta contra a tortura prisional 

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Neste ano de 2022, a Pastoral Carcerária Nacional comemora o seu jubileu de ouro, em razão dos seus 50 anos de organização como Pastoral Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Durante essa jornada, a Pastoral Carcerária travou diversas batalhas em prol dos direitos das pessoas presas e torturadas. Foram múltiplas ações coletivas buscando concretizar o desencarceramento, o almejado sonho de Deus:  um mundo sem cárcere, minimizar os danos produzidos pela prisão e manter vivo o compromisso histórico na erradicação da tortura.

A missão da Pastoral Carcerária é “Eu estive preso e você me visitou”, cujo Objetivo Geral é a ação Sócio transformadora expressa no binômio: “Evangelização e promoção da dignidade humana”. O anuncio e a denúncia de tortura no sistema prisional estão umbilicalmente interligadas, desde a sua embrionária organização em 1972, em plena ditatura militar. Ao propor a prestação da assistência religiosa no interior dos presídios brasileiros, a Pastoral Carcerária firmou a missão de se fazer presente para as pessoas presas, ouvi-las e lutar para que as violações de direitos parem de ocorrer. Calar, ficar em silêncio e compactuar com as irregularidades seria negar o próprio objetivo fundante da Pastoral Carcerária. 

No “Estudo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) n°4”, publicado no ano de 1974 e resultado do Primeiro Encontro Nacional de Agentes da Pastoral Carcerária, realizado no Rio de Janeiro, de 07 a 09 de agosto de 1973, há relatos que tratam sobre as violações sofridas pelas pessoas presas no Brasil, evidenciando o norte missionário de revelar as barbaridades que ocorrem no sistema prisional: 

(…) Há prisões onde os presos são deixados no ‘mofo’, durante meses, nas condições em que se encontravam no ato da prisão: comendo mal, sem cama e, às vezes, sem a roupa do corpo. Vezes há em que o detido não tem qualquer possibilidade de comunicar-se com a família, a qual, por sua vez, não consegue localizar o preso, pois lhe é negado qualquer informação neste sentido. Isto ocorre principalmente com aqueles que são submetidos à tortura, fato comum em não poucos cárceres e que levaram inclusive, as mortes que passaram por ‘suicídio’”

Passados alguns anos, a Pastoral Carcerária buscou se fortalecer institucionalmente para dar maior visibilidade para a dor sofrida pelas pessoas presas e para conquistar mudanças políticas estruturais que sacodem o sistema punitivo brasileiro. 

Durante as décadas de 70 e 80, portanto, a luta da Pastoral foi travada no âmbito da disputa de narrativas: enquanto o Estado proclamava discursos punitivistas e neoliberais, a Pastoral Carcerária buscava mostrar a outra face da moeda, evidenciando as dores, sofrimentos e mortes produzidas na prisão. O cárcere precisava ser visto como uma arma de guerra letal, sustentada e alimentada pelo Estado. 

Em meados da década de 90, a Pastoral Carcerária Nacional se disponibilizou institucionalmente a receber denúncias envolvendo as violações de direitos sofridas pelas pessoas presas, gerando a partir daí um acompanhamento sistemático sobre a realidade prisional no país. A Pastoral Carcerária firmou-se como organização nacional e internacional reconhecida como órgão de acompanhamento e monitoramento social dos presídios, em cumprimento às Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: “A Igreja, através de uma pastoral social estruturada, orgânica e integral, tem a vocação e missão de promover, cuidar e defender a vida em todas as suas expressões…” [DGAE, 109]”. 

As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023  em seu objetivo geral se propõem a evangelizar o Brasil pelo anúncio da Palavra à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, cuidando da Casa Comum e testemunhando o Reino de Deus rumo à plenitude. Por isso, exercendo a caridade em vista em serviço à vida plena, “a Igreja anuncia o ‘evangelho da paz’ (Ef 6,15), que é Jesus Cristo em pessoa (Ef 2,14). Isso significa não ignorar nem deixar de enfrentar os desafios da violência explícita ou institucionalizada pelas injustiças sociais, tarefa profética que exige ação de denúncia e anúncio, sendo voz dos sem voz, mas, também, promovendo atitudes de não-violência” [DGAE 105]. 

Por isso, nesse período, a Pastoral formalizou sua incidência nos órgãos da Execução Penal e nas Cortes Superiores Nacionais e Internacionais, buscando fortalecer a resistência contra a máquina de massacres.

O cárcere como moderno campo de extermínio e concentração

A luta contra os massacres se consolidou quando, em 1992, mais de 111 pessoas presas no Carandiru foram assassinadas pelo Estado. Agentes da Pastoral Carcerária estiveram do lado de dentro da unidade, vivenciando todo o sangue derramado naquele inapagável evento.

Padre Francisco Reardon (Padre Chico), coordenador nacional da Pastoral Carcerária na época, ajudou a organizar um relatório sobre o Massacre na Casa de Detenção do Carandiru. O documento serviu de base para várias pesquisas em relação ao massacre, além de ser um dos documentos mais relevantes sobre as denúncias das violações ocorridas no episódio.

Mais do que episódio, foi a partir daí que a Pastoral Carcerária percebeu que o massacre nas unidades prisionais não é um evento pontual, mas sim uma política cíclica de extermínio, uma forma de gerir os presídios e as pessoas que lá são abandonadas. Pe. Chico questionava: “É possível morrer-se em Auschwitz, depois de Auschwitz?” A resposta, evidenciada por ele, é sempre que sim, enquanto existir prisões.

A Pastoral Carcerária se fez presente também nos dias posteriores aos massacres de Alcaçuz, Boa Vista, os ocorridos no Norte e Nordeste do país em 2017, os de Manaus e de Altamira em 2019, registrando as barbaridades ocorridas e lutando para que novos massacres não ocorram. 

A Coordenação Nacional da Pastoral Carcerária foi até Manaus e Altamira em 2019, por exemplo, para prestar solidariedade, ouvir o que os familiares tinham a dizer e não deixar que mais um massacre no sistema penal seja esquecido pela sociedade após a comoção inicial causada. 

Uma família acolhida pela Pastoral Carcerária relatou que “Não fiquei muito tempo lá na porta, comecei a passar mal e vim para casa. Você chega lá, fica naquela ansiedade, fazendo oração… meu filho foi totalmente carbonizado, ficou sem as mãos, sem os pés, com o rosto deformado”.

A partir das repetidas tragédias e carnificinas que o cárcere produziu e produz, a Pastoral Carcerária confirmou o seu posicionamento político para intensificar a luta contra o sistema carcerário e contra todo o Estado penal.  

Fortalecimento de instituições anti-tortura

Padre Chico ingressou na Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo em 1986. Desde então, dedicou sua vida contra a tortura no sistema prisional. Em 1988, Padre Chico foi nomeado coordenador da Pastoral Carcerária de São Paulo pelo então Cardeal Dom Evaristo Arns.

Também em 1988, Padre Inácio Neutzling, na condição de secretário executivo da comissão episcopal da CNBB para a dimensão profética e sócio transformadora, convidou os responsáveis da PCr das principais cidades do país para a constituição de uma pastoral da CNBB dedicada à assistência religiosa ao presos.

A partir dos trabalhos dessa comissão, formalizou-se em 1996, definitivamente, a “Pastoral Carcerária da CNBB”, como serviço de pastoral organizado e reconhecido em âmbito nacional e regional. A luta só estava começando. 

Diante desse reconhecimento da importância do trabalho pastoral no cárcere, em 1997 a CNBB realizou em todas as paróquias do país a Campanha da Fraternidade (CF-97) sobre o tema “A Fraternidade e os Encarcerados – Cristo liberta de todas as prisões”. 

No mesmo período, de maio de 1997 até o final de 1998, a Pastoral registrou cerca de 1.600 comunicações de presos sob indícios de terem sido vítimas de tortura. Em maio de 1997, a Pastoral Carcerária entregou ao governo Austríaco, à União Europeia e, principalmente, ao Alto Comissariado da ONU, em Genebra, um documento com casos de tortura denunciados às autoridades brasileiras, mas que não haviam resultado em providência alguma.

A partir desse relatório e a convite de outros grupos, a Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU visitou o Brasil em 1999 e convenceu o governo brasileiro a convidar o Relator Especial da ONU sobre a Tortura, Sir Nigel Rodley. 

Em 2000, a Pastoral Carcerária colaborou efusivamente para que Sir Nigel Rodley pudesse ouvir centenas de presos torturados no sistema prisional e constatar as condições em que os presos estavam confinados. 

Com fundamento nessas visitas e em tantas outras, Sir Nigel Rodley publicou em maio de 2001 seu “Relatório Sobre a Tortura no Brasil”. Tal relatório desencadeou pela primeira vez um compromisso mais sério das autoridades brasileiras quanto ao combate à tortura. 

No mesmo período, veio o lançamento da Campanha Nacional Contra a Tortura, pelo Governo Federal e pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos. O relatório considerou que a tortura no Brasil é uma prática sistemática e generalizada, especialmente nas instituições prisionais. 

Após publicação desse Relatório, o governo brasileiro lançou, em junho de 2001, o Plano Nacional Contra Tortura e uma Campanha de Combate à Tortura. A campanha durou dois anos, sendo finalizada em 2003.

Uma outra dedicação da Pastoral, nesses anos, foi o empenho pela criação da Acat-Brasil (Ação dos Cristãos Para Abolição da Tortura), a qual se deu ainda no ano de 2000. 

Em 2002 a Acat-Brasil, com apoio da Pastoral Carcerária e outras entidades, publicou o relatório Quebrar o Silêncio – Atualização das Alegações de Tortura no Estado de SP – 2000/2002 sobre a questão da tortura após dois anos da visita do relator especial da ONU.

Na linha da prevenção da tortura e outros maus-tratos, a Pastoral Carcerária promoveu a aplicação da legislação sobre o Conselho da Comunidade previsto nos artigos 80 e 81 da Lei de Execução Penal, bem como sua implementação em todas as comarcas do Brasil onde há prisões.

Toda essa dedicação histórica da Pastoral Carcerária da CNBB até aqui relatada veio ao encontro da luta da Associação pela Prevenção da Tortura (APT), associação essa que por trinta anos trabalhou, entre os países membros da ONU, pela construção e assinatura do Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (OPCAT).

O Protocolo foi ratificado no Brasil em janeiro de 2007, que assumiu naquela data o compromisso de implementar Comitês e Mecanismos Nacionais e Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura em um ano. 

Ultrapassado o prazo, estes não foram instaurados. Diante disso, a Pastoral Carcerária se mobilizou, junto com outros movimentos e entidades, para pressionar os estados e o Governo Federal a estabelecerem os sistemas de prevenção e combate à tortura. 

O resultado veio em 30 de junho de 2010, com a aprovação da Lei Estadual nº 5.778/2010, no Rio de Janeiro, e em 02 de agosto de 2013, com a aprovação da Lei n° 12.847/2013. A luta antitortura da Pastoral Carcerária também se direcionou para o fortalecimento das Defensorias Públicas. Em 2006, por exemplo, a Pastoral Carcerária participou ativamente da fundação da Defensoria Pública de São Paulo, através da Lei Complementar Estadual nº 988, de 9 de janeiro de 2006. 

No mesmo caminho, a Pastoral Carcerária se fez presente na consolidação das Defensorias dos demais estados, como Ceará, Paraíba, Amazonas, Pará e outras. O mesmo processo ocorreu com os Comitês de Prevenção e Combate à Tortura, Conselhos da Comunidade, Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e outros espaços de disputa pelos direitos das pessoas presas, em diversos estados no país.

O Conselho da Comunidade de João Pessoa, por exemplo, sempre contou com a participação da Pastoral Carcerária e atuou insistentemente na luta contra as violações de direitos das pessoas presas. No XVII Encontro Estadual da Pastoral Carcerária do Estado da Paraíba, ocorrido em abril de 2012, agentes pastorais informaram que diversos Conselhos da Comunidade espalhados pelo estado contavam com a participação da Pastoral.

Em setembro de 2014, a Pastoral Carcerária Nacional publicou um relatório denunciando as diversas mazelas produzidas pela terceirização no sistema prisional. A ganância pelo lucro e a exploração excessiva das pessoas presas foram contundentemente combatidas pelo relatório produzido. 

Em 2015, a Pastoral Carcerária realizou o 1º Seminário Nacional Tortura e Encarceramento em Massa, em parceria com o Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC), a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) e o Núcleo Especializado de Situação Carcerária (NESC). 

A luta da Pastoral Carcerária também alcançou planos internacionais. Em 2011, o CNJ declarou que o Complexo de Curado (antigo Aníbal Bruno) era a pior prisão do país. No mesmo ano, a Pastoral Carcerária Nacional, a Justiça Global e o Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (SEMPRI) entraram com um pedido de Medidas Cautelares na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para a garantia da vida e integridade dos presos, funcionários e visitantes do Curado. Em 2014, o caso foi apresentado à Corte. 

Em novembro de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) determinou que os presos no Complexo Penitenciário do Curado teriam os dias de prisão computados em dobro. Na decisão, a Corte reconheceu que as condições de aprisionamento no Curado violam a Lei brasileira e também a Convenção Americana de Direitos Humanos e, por isso, não garantem nem a vida nem a integridade das pessoas presas, funcionários e visitantes do Complexo do Penitenciário.

Reunir pessoas que lutam contra a tortura prisional foi fundamental para a continuidade da missão. 

A luta de familiares e a Agenda Nacional pelo Desencarceramento

Ao mesmo tempo que a luta contra a tortura da Pastoral Carcerária alçava voos nacionais e internacionais, sua atenção também se direcionou para o fortalecimento da luta anticárcere promovida por familiares de pessoas presas. 

Em 2006, por exemplo, após a ocorrência dos crimes e chacinas de Maio, cometidos principalmente por agentes policiais contra jovens negros nas periferias de São Paulo, a Pastoral Carcerária esteve ao lado de Débora Silva e de tantas outras mães e familiares que perderam seus filhos naquele mês. A Pastoral se fez presente, portanto, durante o processo de transmutação do luto à luta das Mães de Maio. Caminhar ao lado das famílias sempre esteve presente no trabalho missionário da Pastoral Carcerária. 

Em novembro de 2013, em audiência pública com o Governo Federal impulsionada pelo movimento Mães de Maio, a Pastoral Carcerária Nacional e diversos outros parceiros da luta anticárcere apresentaram uma agenda para o sistema prisional, cuja proposta central apontava para a exigência de um programa de desencarceramento que estabelecesse metas claras para a redução imediata e drástica da população prisional. 

Em 2016, este documento foi repensado e reduzido, surgindo os 10 pontos da Agenda, que mantém o objetivo de reduzir a população prisional, incidindo nas três esferas do Poder (Judiciário, Legislativo e Executivo). 

De lá pra cá ocorreram cinco encontros nacionais da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, sediados em São Paulo (SP), Olinda (PE), Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE) e Mateus Leme (MG), com a presença de pessoas que contribuíram e contribuem para o fortalecimento da luta por um mundo sem cárceres.

O que antes era um documento com o tempo foi se tornando um movimento social autônomo e horizontal, protagonizado por familiares de pessoas em privação de liberdade e sobreviventes dos sistemas prisional e socioeducativo: “nada sobre nós sem nós”, é o grito que ecoa. 

Nos dias 21 a 24 de abril de 2022, em Minas Gerais, chegando ao V Encontro, nos deparamos com cerca de 200 pessoas dos mais variados setores da luta antitortura: membros de Mecanismos Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura, representantes de movimentos sociais que lutam pelo fim das polícias, agentes pastorais de múltiplas localidades, representantes da sociedade civil que se engajam nesta luta, entre outros. A Pastoral Carcerária Nacional continua atuando e somando nesta luta da Agenda Nacional por um “mundo sem cárceres“.

A tortura contra as mulheres encarceradas

A tortura tem um alcance perverso nas mulheres presas. Por isso, coube à Pastoral Carcerária se atentar para as especificidades da violência sofrida pelas mulheres encarceradas. A imposição de estereótipos e papéis sociais às mulheres é combustível central no punitivismo e no encarceramento das quais são alvo.

Sobre a questão da mulher encarcerada, o “Estudo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) n°4”, publicado no ano de 1974 e resultado do Primeiro Encontro Nacional de Agentes da Pastoral Carcerária, evidencia que na “prisão de mulheres, onde a vigilância é exercida pela polícia militar, foram feitas denúncias de graves arbitrariedades: espancamentos, maus tratos e até violências sexuais. Desde o início da missão, portanto, a Pastoral Carcerária teve o seu olhar voltado à dor sofrida pelas mulheres. 

No início dos anos 2000, a Pastoral Carcerária ampliou a visibilidade para a questão da mulher presa, criando uma assessoria específica e, posteriormente, uma Coordenação Nacional para a questão da mulher encarcerada. Heidi Cerneka assumiu inicialmente o protagonismo dessa luta e amplificou a voz das Marias no cárcere, combatendo as variadas espécies de tortura sofrida pelas mulheres. Posteriormente vieram Irmã Petra Silvia Pfaller e Rosilda Ribeiro, dando continuidade na luta contra a tortura.  

Em março de 2016, a Pastoral Carcerária divulgou o documentário “Mulheres e o cárcere, expondo diversas violações de direitos sofridas pelas mulheres encarceradas. O vídeo é um retrato histórico e cruel das brutalidades sofridas pelas mulheres, chamando a atenção da sociedade para as torturas misóginas que o cárcere produz. 

No dia 26 de maio de 2018, no mês das mães, a Pastoral Carcerária lançou um livro de formação voltado para agentes que visitam as Marias nos cárceres. O livro foi resultado de um mutirão que foi feito com a finalidade específica de colaborar na formação das e dos agentes da Pastoral Carcerária a buscarem de uma forma mais aprofundada o trabalho no cárcere levando em conta a vulnerabilidade e invisibilidade das mulheres presas. 

No ano de 2020, com a pandemia da Covid-19, a Pastoral Carcerária realizou pesquisas sobre a situação das mulheres presas em nosso país, evidenciando as inúmeras torturas cometidas pelo Estado. A pesquisa mostrou que muitas mulheres poderiam estar em liberdade com suas famílias e filhas,  mas o Estado escolheu mantê-las encarceradas e vítimas da pandemia. Também durante a pandemia a Pastoral Carcerária percebeu ainda mais o quão as mulheres foram invisibilizadas, já que poucas foram as informações fornecidas. A pandemia de descaso, misoginia e negação do acesso à justiça foi brutal para as mulheres.

A luta sobre a questão da mulher encarcerada tem se fortalecido nos últimos anos. A Pastoral Carcerária direcionou seus esforços também para a formação de agentes, promovendo pelo menos 5 Encontros Regionais e 2 Encontros Nacionais. De 21 a 25 de julho de 2022 aconteceu o 2º Encontro Nacional das Coordenadoras Estaduais para a questão da mulher encarcerada em São Luís (MA). Estiveram presentes representantes de 19 estados presentes, além do Distrito Federal, debatendo sobre os temas que envolvem a mulher presa. 

A luta continua

A tortura no sistema prisional continua operante. No ano de 2021, a Pastoral Carcerária publicou dois relatórios sobre as denúncias de tortura recebidas. O número de relatos têm crescido exponencialmente. O recrudescimento do sistema penal é uma realidade mortífera. No mesmo sentido, a Pastoral lançou diversos vídeos sobre as violências sofridas pelas pessoas presas, envolvendo, por exemplo, quais as espécies de violência, a questão da saúde como instrumento de tortura, onde denunciar, dentre outros temas. 

Por isso, Irmã Petra Pfaller, atual e primeira coordenadora mulher da Pastoral Carcerária Nacional, esteve presente no dia 28 de junho de 2022, na Câmara dos Deputados (DF), para participar do Ato em Alusão ao Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura. Irmã Petra afirmou que “sempre surgem novas luzes, novas companheiras, como por exemplo a Agenda Nacional Pelo Desencarceramento se organizando como coletivo de familiares”. 

A atuação da Pastoral Carcerária contra a tortura fez a Igreja direcionar seu olhar profético para as pessoas presas. Em carta à Associação Latino-americana de Direito Penal e Criminologia, o Papa Francisco se posicionou contra o aumento dos castigos impostos a quem comete crimes. A comunicação foi direcionada ao juiz Eugenio Raúl Zaffaroni, secretário executivo da Associação. Na carta, o Papa nos lembra que “seria um erro identificar a reparação somente com o castigo, confundir a justiça com a vingança, o que somente contribuiria a incrementar a violência, ainda que esteja institucionalizada. A experiência nos diz que o aumento e endurecimento das penas com frequência não resolvem os problemas sociais nem leva à diminuição dos índices de delinquência.”.

A luta contra a tortura prisional continua, e a esperança nunca se perde. Como refletiu Padre Chico, após o massacre do Carandiru: “A  sociedade não quer saber. As sementes do Reino se esforçam para sobreviver e crescer lá dentro. A prisão é o lugar da coragem de resistir, de insistir, de sobreviver, de lutar pela vida e pela liberdade. É o ‘coração do inferno’ com as suas mil contradições. É o Reino que brota onde ninguém esperava por isso, e que brota justamente no meio de um não povo em que ninguém acreditava ser gente!”. 

 

 

 

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