Um grito na Pandemia

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A Vida em Primeiro Lugar é o grito que há 26 anos ecoa no Brasil afora nas comunidades e que neste tempo da Covid-19 faz-se ainda mais real ao se concretizar no basta de Miséria, Preconceito, Repressão! Queremos Trabalho, Terra, Teto e Participação! Ao grito faz eco a 6ª Semana Social Brasileira lançando um grande Mutirão socioeclesial que pegando os mesmos eixos vai provocando a população no Brasil e no mundo para que tome consciência e denuncie as estruturas opressoras, excludentes e injustas, fonte e causa de miséria, violência e exclusão.

O grito da Miséria

A Covid-19, em toda a sua dramaticidade e mortalidade veio afirmar novamente que o “Rei está nu”. O Brasil tem mais de 13 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, que sobrevivem com até R$ 145,00 mensais. Essa miséria é visível em todo país, sobretudo nas grandes cidades, dos centros às periferias, com destaque nas regiões Norte e Nordeste, atingindo principalmente a população negra, ribeirinha, indígena e com baixa escolaridade. As consequências são graves, afetam a qualidade de vida como um todo, alimentação, drástica evasão escolar de adolescentes, entre outras. 

Marcello Casal/Arquivo/Agencia Brasil

Mas a miséria não é simplesmente uma questão de fome, ela vai mais a fundo, ela machuca na alma, sangra na profundidade dos sentimentos feridos pelo preconceito racial, territorial, religioso, de gênero e por uma cultura que ainda carrega fortes e acentuados resquícios da escravidão visibilizada nas massas pobres, negras, periféricas e encarceradas. Além disso, a onda de conservadorismo ligada à teologia da prosperidade, expressão do neoliberalismo religioso encarnado pelo pentecostalismo e neo-pentecostalismo que, exclui as expressões religiosas indígenas e de matriz africana, criminalizando, condenando e idealizando a pobreza como punição e castigo de Deus.

Não menos dolorida é a experiência do preconceito de gênero cujas expressões e manifestações públicas são o feminicídio, o assassinato e o suicídio de pessoas LGBTI a quem é restrito seja o mercado de trabalho, como a própria convivência e visibilidade social.

Por isso ao darmos visibilidade à miséria, ao preconceito, à repressão, queremos evidenciar a gritante desigualdade social que a pandemia expôs e evidenciou ainda mais ressaltando algumas situações essenciais para a vida e a cidadania, como a importância dos trabalhadores e trabalhadoras na máquina do capital; a solidariedade e a partilha dos mais pobres com os miseráveis; a importância do Estado como agente de políticas públicas, entre elas o sistema único de saúde – SUS, a ser defendido contra a ideologia neoliberal do Estado mínimo; a atitude da burguesia rica, egoísta e imoral que condiciona a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras à economia e ao lucro, tendo como resultado a hecatombe de mais de 100 mil mortes.

Terra, Teto, Trabalho e Participação

Terra, Teto, Trabalho e Participação são os fios de um grito de transformação lançado pelo papa Francisco em Roma em 2014 em seu primeiro encontro com os movimentos sociais, e sucessivamente reelaborado e sistematizado na Carta de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia em 2015, e novamente retomado de 2016 onde é destacada a necessidade de uma mudança de estruturas para que a vida seja digna.

A desigualdade social passa pela concentração de terras, pelo êxodo forçado, pela produção do agronegócio em detrimento da agricultura familiar e seus produtos saudáveis. Estudos mostram que 45% de toda a área rural do país estão nas mãos de somente 0,91% de proprietários. Enquanto estabelecimentos com menos de 10 hectares representam apenas 2,3% da área rural brasileira. A ONU estima ainda que 80% da alimentação em todo o planeta venha desse tipo de produção.

Por outro lado, os conflitos no campo por causa da terra crescem a cada dia, sendo que a especulação latifundiária sobre as terras indígenas, povos tradicionais, pequenos camponeses é alarmante. 

A sobrevivência dos sem tetos é outro desafio que está presente em todas as épocas, denunciamos isso ano após ano, mais nunca imaginamos chegar a uma crise pandêmica. E agora, a regra é: “fique em casa!” Que casa? “Cuide de sua higiene pessoal, lave bem as mãos!” Onde lavar as mãos e tomar banho? “Se alimente bem, fique forte!” Que alimento? O preço exagerado da terra nas cidades torna cada vez mais distante o sonho da casa própria, resultando em milhares de pessoas vivendo em situação de rua.

E Francisco mais uma vez nos estimula convocando dois grandes encontros respondendo a dois grandes gritos, um para debater e procurar construir juntos um novo modelo de economia justa, fraterna, sustentável e com um novo protagonismo de quem hoje é excluído. Outro, para escrever um pacto global educativo fundamental para a construção de uma nova civilização, a do amor.

Gianfranco Graziola, imc, é diretor presidente da Associação de Apoio e Acompanhamento da Pastoral Carcerária Nacional (ASAAC).

 

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