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Quando Maria da Penha Silva, de 53 anos, lembra dos sete dias que passou no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Franco Rocha, a sensação e as imagens que mais percorrem sua mente são resumidas em uma palavra: desumanidade. “Falta atendimento médico, boa parte das agentes penitenciárias trabalham de uma forma muito violenta, todo o sistema psicológico e de ressocialização naquele espaço que convivi, no raio 7, com 17 a 20 mulheres por cela é totalmente desumano”, conta.
Para ela, as pessoas que saem da cadeia retornam para a sociedade piores do que entraram. “Eu não consigo enxergar ressocialização das pessoas que vão sair dali de dentro, eu vejo o contrário. Elas se transformam e ficam muito mais brutalizadas”, afirma.
A partir desse cenário, pessoas que estiveram presas, associações, organizações e militantes de direitos humanos se uniram e lançaram, no sábado (20/10), a Frente Estadual pelo Desencarceramento em São Paulo a fim colocar em pauta o debate e a reformulação de políticas públicas para o sistema carcerário paulista.
O evento também contou com a apresentação do grupo de rap Comunidade Carcerária, formado há 22 anos no Complexo do Carandiru. De acordo com Railda Alves, presidente da Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos e Presas), o primeiro passo é aproximar familiares das discussões. “É importante que a gente esteja perto do povo. Para saber o que um familiar de preso passa é indo na porta da cadeia. Só hoje, no evento, nós já acolhemos duas famílias”, conta.
“A gente não pode aceitar mais isso porque as cadeias e as Fundações CASA são depósitos de seres humanos, principalmente de negros.. Nós já somos a terceira maior população carcerária do mundo e, do jeito que estamos caminhando, vamos chegar à primeira posição”.
Para Gabrielle Nascimento, da Pastoral Carcerária, colocar o tema na agenda pública pela perspectiva do racismo e dos direitos humanos é uma dificuldade constante que legitima a superlotação das prisões. “A abolição da escravatura não terminou, isso a gente percebe pela maioria da população nas cadeias ser negra. Existe um elo histórico porque são os mesmos corpos que estão sendo violados”, aponta.
Nascimento também destaca o senso punitivista sobre o tema e a intensificação de discursos de ódio. “Nem o campo progressista entendeu a pauta do encarceramento, vide a Lei de Drogas de 2006, durante o governo Lula”, pontua. “Nós estamos vivendo um momento em que vai ser pior se o candidato Jair Bolsonaro for eleito, mas a pauta do sistema prisional já é problema legitimado há anos”.
O manifesto da Frente contém oito reivindicações que tratam de diversos temas como legalização das drogas, proibição da privatização de presídios, desmilitarização das polícias, ampliação e efetividade da Lei de Execução Penal, dentre outras.
Para a produtora cultural Maria da Penha, uma questão importante é a atuação do judiciário. “Conheci muitas mulheres que estavam ali com 8 meses, 2 anos, sem ter a primeira audiência. O poder judiciário é o primeiro a ser responsabilizado por esse caos”, pondera. “Se temos juízes, promotores bem remunerados, qual é a dificuldade? A quem interessa o encarceramento de pessoas?”, questiona.