A Pastoral Carcerária, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e a Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas produziu uma série de entrevistas e vídeos com Cristiano Maronna, secretário executivo da Plataforma, para discutir e ampliar o debate sobre um dos pontos da Agenda Nacional Pelo Desencarceramento: o combate à criminalização do uso e comércio de drogas.
Nesta parte, Cristiano analisa pontos positivos e negativos da política de drogas brasileira, além de refletir sobre que políticas deveriam ser criadas ou ampliadas para lidar com o consumo problemático de drogas. Para ele, é preciso criar uma política de prevenção de verdade.
“Não haverá evolução nessa matéria se nós como sociedade não evoluirmos e reconhecer que as drogas são parte da vida, da realidade. Que seres humanos e substâncias psicoativas tem uma relação ancestral, e que essa relação precisa ser debatida e compreendida. Essa ideia de simplesmente negar, considerar todo e qualquer consumo de drogas inequívoco e nocivo é uma inverdade”.
Quais políticas deveriam ser criadas ou ampliadas para lidar com o consumo problemático de drogas?
A primeira e mais importante medida é acabar com a proibição. Me refiro não apenas a transformar o consumo numa atividade lícita, mas também à produção, distribuição e comércio. Não adianta deixar de considerar crime apenas o consumo e continuar a incriminar o comércio, porque os pobres vão continuar sendo traficantes.
A solução não vem apenas com a descriminalização da posse. Essa é a primeira e mais importante medida. A segunda é criar uma política de prevenção de verdade. Hoje o principal programa preventivo que a gente tem no Brasil é o PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas), que é um programa ridículo.
O material educativo do PROERD diz que “maconheiro não é gente”. É uma mensagem ignorante e que estimula a violência: se o maconheiro não é gente, ele tem que desaparecer.
É mais ou menos uma tentativa de repetir a estratégia do crack. Quando ala em prevenção ela deve levar informação científica às pessoas de modo que elas refletissem sobre isso e decidissem por si só não usar drogas.
Evidentemente precisamos de um programa de prevenção nas escolas. As escolas simplesmente não discutem drogas. O aluno das escolas de ensino fundamental ou médio que é pego com drogas é expulso, é a ideia da maçã podre.
E é uma hipocrisia. Há muitos outros alunos que não são flagrados, e que a partir dessa mensagem percebem que o problema não é o uso de drogas, mas ser flagrado com drogas. E essa discussão não entra na escola como não entra na maior parte da sociedade, porque o moralismo e o tabu moral impedem.
Não haverá evolução nessa matéria se nós como sociedade não evoluirmos e reconhecer que as drogas são parte da vida, da realidade. Que seres humanos e substâncias psicoativas tem uma relação ancestral, e que essa relação precisa ser debatida e compreendida. Essa ideia de simplesmente negar, considerar todo e qualquer consumo de drogas inequívoco e nocivo é uma inverdade.
Você pode citar uma política de drogas boa e uma desastrosa no Brasil?
Um bom exemplo é o caso do tabaco. Na década de 1970 tínhamos consumo de 35% na faixa de 16 a 74 anos, e isso reduziu para 10% graças a uma campanha de educação. A política brasileira de redução do consumo de tabaco é bem positiva.
Negativo é o programa “crack é possível vencer”, que foi um programa completamente equivocado, focado na substância ao invés das pessoas, que
reforçou estereótipos, estigmas, e essa ideia de demonização do crack como essência de todos os males.
Com isso nós estimulamos esse pânico do crack, que também justificou decisões absurdas, como em 2012 a operação sufoco, em que a PM invadiu a região da Luz, que tinha uma cena de crack, espancou, maltratou e expulsou as pessoas.
Uma semana depois essas pessoas estavam de volta, sem que nada de concreto tivesse mudado. E agora outro exemplo desastroso é o fim do programa De Braços Abertos, com nada no lugar.
Tivemos a repetição de uma operação pessoal violenta, uma atitude absurda da polícia, atirando balas de borracha em pessoas que não apresentavam nenhum tipo de risco, parecia que era um exercício sádico de tortura.
Dias depois, a situação voltou ao que era, mostrando que essa não é uma situação que vai se resolver de uma hora pra outra. A questão do crack está relacionada com exclusão.
A droga muitas vezes é consequência e não causa. Exclusão não se resolve com mais exclusão. Precisamos pensar em projetos de inclusão em que o crack está inserido mas não pode ser a única preocupação.
Por isso que o De Braços Abertos foi inovador, e apesar de ter problemas ele merece elogios, porque investiu na dignidade da pessoa, na transformação dela por meio dela por meio dela própria.
Concedendo habitação, trabalho e renda, investindo na dignidade da pessoa, e não exigindo abstinência, que é outra questão: nem todas pessoas que usam drogas conseguem deixar de usar, ou querem deixar de usar.
Em relação a elas há medidas de redução de danos que permitam que elas tenham qualidade de vida sem deixar de usar drogas. Esse é um incremento importante, nem todas pessoas conseguem aderir a programas cuja meta é abstinência. Precisamos ter essa noção mais tolerante e entender que essa é uma realidade complexa, não vai haver uma transformação radical de uma hora pra outra.
Invés de arrancar as pessoas do território, a gente devia estar discutindo a criação de locais para uso seguro, um local onde as pessoas pudessem ter acesso a testes de drogas e orientação sobre formas mais seguras de usar drogas, como acontece no Canadá por exemplo.