Por Padre Hugo M. M. Galvão
Estamos diante de situações extremas da indignidade humana. E, por vezes, não reconhecemos a humanidade do próprio homem que faz parte dessa espécie. Lastimável é a percepção unilateral de quem se diz ser humano e pode tratar de julgar outro, com suas caracterizas físicas e biológicas, como um animal. A realidade nua e cruel nos mostra uma evidência perceptível antes dos fatos do dia 14 de janeiro virem à tona, provando o desastre de humanos que vivem em situação desumanas perderem sua humanidade. Contudo, será que perderam mesmo? Se são animais, como estes permaneceram por tanto tempo enjaulados em centros de detenção, em presídios construídos para homens e mulheres com comportamentos impróprios para conviverem em sociedade com seus pares?
Os homens que ora provocaram outros homens a fazerem com que uns culpassem outros diante do mal que fizeram, não passam a ser animais quando continuam ainda sendo tratados como homens. Mas, pessoas, tratadas como animais, podem aflorar nelas um instinto antes semiadormecido, diante de um contexto de sobrevivência, de ódio, de dor e de ausência de amor. Uma vida sem amor, um coração que não pode mais estar disposto a amar e ser amado, provoca em quem o possui uma forte impressão de que a vida não tem mais sentido a não ser sobreviver à dor, fazendo da própria dor um sentido para se viver. Os chamados “animais de alcaçuz”, bárbaros e desumanos senhores do mal, possuem mães, filhas e filhos, irmãs e irmãos, possuem um Deus que vos chamam de filhos amados, e por isso não podem ser animais, todavia tratado como tais, a reação instintiva é de voltar à expressão primitiva do seu ser, no qual todas as relações que o fazem amar e ser amado não são mais capitadas ou percebidas em seu próprio “eu”.
A condenação de alguém que pratica um ato desumano pelo homem que quer ser homem às custas da desvalorização de outro homem, parece ser algo normal. O gesto ilícito de alguém que corrói a si mesmo e ao outro, podendo custar a própria vida de quem passou pelo caminho daquele, se torna mais importante do que o seu ser dotado de expressões virtuosas mesmo que minimamente perceptíveis. Não sou julgado pelo que sou, mas condenado pelo que fiz e a proporcionalidade do delito, da culpa e da pena são completamente injustas e arbitrárias. Quando o homem, então, se sente recuado em não poder ser o que ele é, o que fora no passado é absorvido pela consciência que se ‘desconcientiza-se’, dando lugar a um ‘alter ego’ destrutivo e desprovido da percepção do amor; da racionalização de si mesmo, razão pela qual o sentimento se prende a todas as relações humanas que o constituem como tal.
Quando um ser vivo pensante deixa de lado o pensar para agir pelo instinto, provocando a dor e o genocídio, é porque outros seres vivos, que aparentemente não têm nada a ver com a história, estão promovendo o desenvolvimento de uma casta marginal que não deve fazer parte da “sociedade pura” e “sem males”. E os males provocados por parte dos condenados são sobrepostos às injustiças sociais e desigualdades econômicas causas “primas” do mal praticado pelos condenáveis. Sendo assim, a roda gira, provocando o que vimos, ouvimos e sentimos, sendo tudo consequência de outro falso ‘instinto’ de bem-estar de uma minoria que passeia livremente pelos bosques da suposta humanidade.
Padre Hugo M. M. Galvão – Assistente eclesiástico da Pastoral Carcerária de Natal