O bispo de Ipameri (GO) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Guilherme Antônio Werlang, foi o entrevistado do programa “Igreja no Brasil”, que foi ao ar nos dias 9 e 10 de janeiro, nas tevês de inspiração católica em todo o Brasil.
Entrevistado pelo jornalista Luiz Lopes, Dom Guilherme falou sobre o trabalho realizado pela Pastoral Carcerária nos presídios e com as famílias dos encarcerados.
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Na primeira parte da entrevista, Dom Guilherme destacou o trabalho de evangelização, os desafios e comentou sobre a proposta de Justiça Restaurativa, que é uma das bandeiras da Pastoral Carcerária. Na segunda parte da entrevista, o bispo respondeu a questões sobre a mulher presa e os projetos nocivos de privatização dos presídios. Abaixo segue a íntegra da entrevista de Dom Guilherme.
Dom Guilherme, para ficarmos por dentro da realidade, qual é o trabalho que é feito pela Pastoral Carcerária?
Dom Guilherme Werlang – A Pastoral Carcerária da Igreja Católica fundamenta-se no evangelho de Jesus Cristo escrito por Mateus, no capitulo 25, versículo 36, onde Jesus diz: “Eu estava preso e você veio me visitar”. Então, o fundamento desse trabalho é ir àqueles nossos irmãos, àquelas nossas irmãs que estão encarcerados por alguma razão de delitos, de crimes, de coisas erradas que praticaram na vida, pelas quais foram condenados. Infelizmente, muitos ficam muito tempo presos antes de serem condenados e, então, a Pastoral Carcerária quer ouvir o clamor, ouvir o grito que brota, que ecoa por detrás das grades. A Pastoral Carcerária, dentro dos cárceres, faz orações, celebrações, anuncia a Palavra de Deus, especialmente mostrando um Deus pronto a perdoar, a ser misericordioso. A Pastoral Carcerária quer ser presença de Jesus Cristo, presença da Igreja e olhar especialmente para que os direitos humanos, a dignidade humana do encarcerado seja também respeitada, porque isso não é a mesma coisa de dizer que ele não fez nada de errado. Tem pessoas que confundem isso, porque por maior que seja o delito que ele tenha cometido, por mais gente que ele tenha prejudicado, ele precisa ser respeitado enquanto ser humano, ele permanece ser humano, ele permanece nosso irmão, ela permanece nossa irmã, permanecem filhos e filhas de Deus.
Nesse contexto de evangelização e de promoção da dignidade humana das pessoas encarceradas, quais são os principais desafios enfrentados pela Pastoral Carcerária?
Dom Guilherme Werlang – São tantos os desafios que a Pastoral Carcerária tem, que eu poderia apenas, em um espaço tão curto quanto é esse nosso Programa, elencar alguns, por exemplo: o próprio sistema carcerário brasileiro em si já é o maior de todos os desafios; a superlotação dos nossos presídios, das nossas delegacias provisórias. Eu mesmo visito cárceres, eles ficam literalmente empilhados, então, esse é um desafio, porque tira toda dignidade, fere de morte a dignidade humana; outro grande desafio que nós temos, não só da Pastoral Carcerária, mas a Pastoral enfrenta isso de uma forma especifica, é que mais ou menos 60% dos presos são jovens de 18 a 29 anos e, desses jovens, a grande maioria absoluta são pobres e são negros. Então, como nós quereremos fazer aquele ditado de um Deus que é justo, de um Deus que é misericordioso quando basta você ir lá?! Você não precisa falar com ninguém, basta olhar… Outra questão: de 1990 a 2014, a população carcerária cresceu no Brasil em 575%. Veja o que significa isso. Como fazer uma Pastoral vendo isso? Outro grande desafio: os cárceres são verdadeiras universidades de fabricação de criminosos. Tem pessoas que cometeram pequenos delitos e estão lá dentro misturados com outros que já são profissionais do crime. A Pastoral Carcerária enfrenta esse desafio de como anunciar o Evangelho, numa universidade do crime que é hoje o sistema carcerário brasileiro. Além disso, o preconceito que a sociedade brasileira tem em relação ao preso, em relação às suas famílias, o desafio de como trabalhar com as famílias que foram vítimas das agressões, das violências, por fim, como fazer uma reinserção, como o preso não ficar revoltado e ficar mais violento do que ele era antes de entrar no cárcere.
E uma proposta defendida pela Pastoral Carcerária – o papa Francisco, inclusive, tem falado sobre isso – é a Justiça Restaurativa. Como funciona este método?
Dom Guilherme Werlang – Alguma parte dos telespectadores certamente já ouviu falar ou conhece a Justiça Restaurativa. Mas a grande maioria dos brasileiros nunca ouviu falar de Justiça Restaurativa. A nossa justiça, naquilo que diz respeito ao encarcerado, ao sistema prisional brasileiro, é uma justiça punitiva e vingativa. Ora, com uma justiça punitiva e vingativa você não consegue recuperar ninguém! A justiça restaurativa acontece especialmente em países europeus e africanos. Impressionante, mais tem vários países africanos que já estão trabalhando a Justiça Restaurativa. Fundamentalmente, ela se baseia no princípio de recuperação, de restauração por meio de trabalhos comunitários. Você trabalha na Justiça Restaurativa o restaurar – a própria palavra diz – restaurar a pessoa que cometeu o delito por meio de trabalhos comunitários compensatórios, quando é possível, ou parcial, de acordo com o crime, para ele próprio e para as vítimas, para as famílias ou pessoas que foram vítimas da agressão. Então, restaurar não é só pagar uma pena, e não é só fazer uma vingança. “Você fez isso, agora você vai sofrer, você merecer apodrecer dentro do presidio!”, como é infelizmente a linguagem de muita gente do Brasil. E o pior é que muitos deles que se dizem cristãos e cristãs! Nos Estados Unidos e no Canadá, os cárceres de lá estão muito longe da Justiça Restaurativa. A reincidência nos Estados Unidos e no Canadá passa de 40, 50% em crimes de quem cumpre a justiça tradicional, enquanto nos países europeus e da África, onde a Justiça Restaurativa funciona relativamente bem, especialmente na Suíça, e em alguns outros lugares, a reincidência cai de mais de 50% para 16%. Então, veja bem: nós precisamos lutar, a Pastoral Carcerária, em nome da Igreja Católica no Brasil, luta para que nós possamos aperfeiçoar e implantar em muitos lugares a Justiça Restaurativa ao invés da punitiva, vingativa, que é uma justiça mais baseada no ódio do que propriamente na justiça e na restauração e na recuperação do apenado e daquele que sofreu a violência praticada.
Sobre a mulher presa, é uma realidade que a Pastoral também tem atuado. O que tem sido feito neste ponto?
Dom Guilherme Werlang – O público feminino é o que mais cresceu nos nossos cárceres. Em muitos lugares, não existem celas próprias, nem alas próprias femininas. Na maioria dos casos, são celas na mesma ala, frente a frente, não existe privacidade. Outra questão, a mulher, muitas vezes quando ela é presa, já está grávida e daí acontece todo um problema: ela se preocupa, e a família lá fora também, sobre como vai ser o acompanhamento dessa gestação, se preocupa também quando é mãe e tem filhos lá fora. A Pastoral Carcerária quer ser uma boa notícia a essas mulheres, quer, de fato, que tenham sua dignidade de mulher respeitada e que possa haver um trabalho muito significativo com ela. Se essa mulher tem filhos, a Pastoral olha a situação dos filhos, a situação de sua família, e lá dentro da prisão, que ela possa ter esperanças. Esperanças de que com uma justiça restaurativa, ela possa também desenvolver trabalhos de reabilitação, de reinserção social.
Diante dessa realidade do sistema prisional brasileiro, há projetos que visam a privatização dos presídios. Sobre isso a CNBB já se posicionou. O senhor pode comentar sobre esse posicionamento dos bispos?
Dom Guilherme Werlang – Quem privatiza tem uma finalidade única: lucro. Não se interessa muito pelo ser humano, quer o lucro. E se o desejo é o lucro, ai nós corremos o risco de várias injustiças maiores: a permanência por mais tempo, a alimentação – a Pastoral Carcerária tem nos dito que a alimentação nas prisões não é de qualidade. O trabalho que a Pastoral Carcerária faz nas prisões é dificultado [nos presídios privatizados] muito mais do que no sistema público. O sistema carcerário é uma obrigação do Estado. O Estado tem obrigações que não podem, não devem ser privatizadas, que são questões básicas para o bom funcionamento da sociedade brasileira.
Dom Guilherme, gostaria que o senhor deixasse uma mensagem para nós e para todos de casa, em especial para aqueles que trabalham com a Pastoral Carcerária.
Dom Guilherme Werlang – A Pastoral Carcerária merece todo nosso reconhecimento enquanto Igreja, enquanto CNBB, mas também todo o reconhecimento da sociedade brasileira. A Pastoral Carcerária, além de fazer o trabalho pastoral, muitas vezes é mediadora de conflitos, de violências. Fica a nossa homenagem a tantos homens e mulheres, sejam eles padres, religiosos, religiosas, leigos e leigas. A vocês, o nosso reconhecimento.
Fonte: CNBB
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