26 de junho de 2015
Após fotos revelarem torturas praticadas por agentes dos Estados Unidos na prisão de Abu Ghraib no Iraque, autoridades pareceram mais preocupadas em esconder que responder. Proibiram máquinas fotográficas. Ofereceram anistia a quem entregasse outras fotos, posteriormente se recusando torná-las públicas. Não processaram nenhum oficial do alto escalão, mas expuseram publicamente o nome do soldado que havia entregado as provas constrangedoras, efetivamente condenando-o a temer represálias.
Nessa sexta-feira, lembramos o Dia Internacional de Apoio a Vítimas de Tortura repudiando esse típo de lógica invertida no Brasil. Desde 18 de maio, membros da nossa coalizão de entidades de direitos humanos têm sido proibidos de entrar com câmeras no Complexo Prisional Aníbal Bruno (oficialmente renomeado “Complexo do Curado”), em Recife. A coalizão— composta pela Pastoral Carcerária, Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões, Justiça Global e Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard—já se reuniu duas vezes com altas autoridades do governo de Pernambuco sem conseguir reverter esse impedimento. O registro fotográfico é explicitamente previsto no Protocolo de Istambul das Nações Unidas, metodologia reconhecida internacionalmente sobre a documentação de casos de tortura. Resolução N. 1 de 7 de fevereiro de 2013 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, determina que “é permitida a utilização de instrumentos de registro audiovisual e fotográfico…por parte…da sociedade civil, que tenham por função a fiscalização do sistema penitenciário e a defesa dos direitos humanos, com a finalidade de instruir relatórios de inspeção, fiscalização e visita a estabelecimentos penais”. O governo insistiu na proibição mesmo assim.
O Complexo Aníbal Bruno é um dos principais símbolos da crise do sistema prisional brasileiro. Recentemente passou por três rebeliões. Encarcera quase 7.000 homens em espaço designado para aproximadamente 2.000 e tem um número de servidores extremamente reduzido trabalhando em condições precárias. Nos últimos quatro anos, nossa coalização enviou centenas de denúncias de violência e tortura, denegação de acesso à saúde e outros abusos no Complexo à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em vista desse cenário, em 22 de maio de 2014 a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA determinou que o Estado protegesse a vida e integridade dos presos, funcionários, funcionárias e visitantes do Complexo Aníbal Bruno. Em fevereiro de 2015, frente à continuada falta de providências suficientes por parte do Estado, reunimos as centenas de denúncias que enviamos à OEA sobre o Complexo, editamos os documentos para garantir o anonimato dos envolvidos, e tornamos as informações públicas no site arquivoanibal.weebly.com. Pouco depois, fomos proibidos de utilizar máquinas fotográficas.
Não somos os únicos sendo censurados após revelar abusos no Complexo. Fomos informados pelas autoridades pernambucanas que até o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura estaria sujeito à proibição de câmeras, apesar da Lei Estadual 14.863 assegurar o direito dos membros do órgão de monitoramento prisional a “fazer registros utilizando-se de recursos audiovisuais, respeitada a intimidade das pessoas envolvidas”. Agentes penitenciários também têm relatado sentirem-se pressionados a não utilizar máquinas fotográficas para documentar irregularidades nas instituições públicas em que cumprem função.
Essa não é a primeira vez que temos lidado com obstruções ao nosso trabalho. Membros da coalizão têm trabalhado com outras entidades em casos internacionais sobrediversas prisões notórias do país, incluindo Maranhão (Pedrinhas), Espírito Santo (CASCUVI), Rondônia (Urso Branco), Rio de Janeiro (Polinter) e São Paulo (Araraquara). Temos sempre conseguido uma jurisprudência clara da Corte Interamericana sobre o dever do Estado de conceder acesso pleno a monitores de direitos humanos, conforme, por exemplo, suas resoluções sobre as prisões Urso Branco e Araraquara.
As próprias autoridades pernambucanas anteriormente nos impuseram uma proibição ao uso de máquinas fotográficas após a OEA ter convocado uma reunião sobre o Complexo Aníbal Bruno em novembro de 2012. A proibição causou danos graves. Não pudemos, por exemplo, documentar com fotos o caso de um preso cheio de lesões no corpo que relatou ter sido estuprado com cabo de vassoura por agentes penitenciários. Também não pudemos gravar depoimentos sobre várias outras denúncias críticas, inclusive sobre corrupção. Tivemos que produzir desenhos feitos à mão para tentar continuar retratando a realidade do Complexo. A proibição foi revertida pelas autoridades pernambucanas somente após expormos esses desenhos em audiência pública em 2013.
Não há como esconder problemas tão gritantes. Melhor optar pela transparência. Somente ela poderá transformar um sistema prisional violador, caótico e corrupto.
Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (SEMPRI)
Pastoral Carcerária do Estado de Pernambuco
Pastoral Carcerária Nacional
Justiça Global
Clínica Internacional de Direitos Humanos, Universidade de Harvard