Estamos no Ano Santo do Jubileu da Esperança – “Peregrinos da Esperança”, proclamado pelo Papa Francisco para toda a Igreja. Na Bula Papal que anuncia este Jubileu de 2025, Francisco, ao considerar os desafios do tempo presente, convoca-nos para um encontro vivo com o Cristo, capaz de reanimar a nossa esperança. “A esperança não engana” (Rm 5,5).
Ao escolher o tema da Esperança, o Papa Francisco cita o apóstolo Paulo que infunde coragem à comunidade cristã de Roma, em meio aos desafios que aquela comunidade enfrenta. A esperança é a mensagem central deste Jubileu que, segundo uma antiga tradição, o Papa proclama, ordinariamente, de vinte e cinco em vinte e cinco anos.
O que tem a ver este Jubileu com a Pastoral Carcerária?
Na Bula de Proclamação do Jubileu “Spes non confundit” (cf. n.10), diz o Papa que no Ano Jubilar, somos “chamados a ser sinais palpáveis de esperança para muitos irmãos e irmãs que vivem em condições de dificuldade”. Ele aqui, de modo enfático, recorda as pessoas presas que, privadas de liberdade, além da dureza da reclusão, experimentam, no dia a dia, o vazio afetivo, as restrições impostas e, em não poucos casos, a falta de respeito, submetidas à humilhação e à violência.
O que propõe o Papa? São suas palavras: “Proponho aos governos que, no Ano Jubilar, tomem iniciativas que restituam esperança às pessoas presas, tais como formas de anistia ou de perdão da pena; que ajudem as pessoas a recuperar a confiança em si mesmas e na sociedade; percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um compromisso concreto de cumprir as leis.”
De fato, o Jubileu nasce, biblicamente, nesta perspectiva ao invocar atos de clemência e libertação que permitam um “novo recomeço” (Lv 25, 8-13). De mesmo modo, proclama o profeta Isaías: “O Senhor (…) enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem, para curar os desesperados, para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos prisioneiros, para proclamar um ano da graça do Senhor” (Is 61, 1-2). São palavras que Jesus fez suas, no início do seu ministério, declarando em Si mesmo o cumprimento do “ano favorável da parte do Senhor” (Lc 4, 19).
Nossa pastoral carcerária também é chamada a fazer-se intérprete destes pedidos, no compromisso corajoso e profético de exigir, junto às instâncias judiciais e penais, com diálogo, compromisso e testemunho, condições dignas para quem está recluso, respeito pelos direitos humanos, gestos concretos de remissão de penas, aplicação de penas alternativas, ações concretas na linha do desencarceramento.
Muito a propósito, o Papa Francisco determinou que só se abririam, para esse Jubileu, a “Porta Santa” de quatro Basílicas papais em Roma e, num gesto paterno, ele quis também abrir, uma “Porta Santa” numa prisão, “a fim de oferecer aos irmãos e irmãs presos um sinal concreto de proximidade”, como um símbolo que os convide a olhar o futuro com esperança e renovado compromisso de vida.
Ele, assim, o fez, abrindo uma “Porta Santa” em um dos maiores complexos prisionais da Itália, o de Ribibbia, em Roma, no dia 26 de dezembro. Foi a primeira vez que uma porta desse tipo, em um Jubileu, foi aberta por um Papa. Diante de presos, guardas e funcionários daquele complexo penitenciário, o Papa, ao se dirigir às pessoas ali reclusas, entre tantas exortações tocantes, lhes disse: “Em momentos ruins, todos nós podemos pensar que tudo acabou. Não percam a esperança. Esta é a mensagem que eu queria dar a vocês. Não percam a esperança”.
Temos, então, um longo caminho a percorrer, fazendo deste “Ano Santo Jubilar”, um tempo propício da graça e da bênção de Deus em favor da vida e da esperança, sobretudo em favor dos pequenos, pobres e excluídos e, entre eles e elas, nossos irmãos e irmãs encarcerados.
Há elementos e sinais que marcam, de modo especial, a celebração e a vivência do “Ano Santo Jubilar”. Recordo, entre outros:
- A “Peregrinação” tanto geográfica, quanto existencial que, para nós, da pastoral carcerária, significará também ir até nossos presídios, em verdadeira peregrinação, para encontrar, nos irmãos e irmãs encarcerados, o rosto desfigurado de Cristo” e viver, com largueza de coração, a bem-aventurança cristã: “…Estava preso e foste me visitar” (Mt 25,36). Concretamente: levar aos que ali se encontram a certeza de que Ele, o Cristo, é nossa Esperança – Uma Esperança que não engana, que não confunde, que não decepciona e que, em seu amor, todo compaixão e misericórdia, acolhe, abraça e liberta a todos.
- A “Porta Santa” que é o próprio Jesus, nossa vida e salvação, e pela qual devemos passar, é outra tônica do Jubileu. Ela será, de modo especial, para nós, a “porta” de nossos presídios, tão fechadas, infelizmente, que agora adentramos para levar, com renovado ardor, em gestos de acolhida, escuta e partilha, o amor de Deus, através de sua Palavra de Vida, de Verdade e de Salvação, trazendo conforto e esperança aos que se encontram nos cárceres.
- As indulgências são outra marca do Jubileu. Elas nos concedem o perdão das penas temporais dos pecados já perdoados e são expressão da misericórdia de Deus através da Igreja, perdoando-nos, depois da culpa, agora dos efeitos do pecado. Elas significarão, para nós agentes da pastoral carcerária, um caminho de conversão de vida, nossa e da sociedade, de vencimento de preconceitos, de afastamento de toda omissão e agressão à dignidade da pessoa humana e, de outra parte, uma busca contínua, junto aos órgãos judiciais, para a comutação de penas, indultos e aplicação de penas alternativas… em favor das pessoas encarceradas.
- Somos exortados, igualmente, a incrementar a vida orante e sacramental, outra expressão do Jubileu, para, mais alimentados no amor, na solicitude e na misericórdia do Coração de Deus, compartilhar com os irmãos e irmãs encarcerados esta dimensão fundante da vida cristã e assim alimentar de esperança e de luz, como instrumentos d’Ele, a vida dos irmãos e irmãs encarcerados. A oração nos aproxima de Deus, fortalece as boas disposições de segui-Lo e de nos deixar guiar por Ele, de sermos instrumentos do seu amor, de sua misericórdia e solicitude. Ele, igualmente nos fortalece na missão como servidores e servidoras a partir da Pastoral Carcerária.
- O Jubileu implica, de modo especial, a vivência da compaixão diante dos que sofrem. O Papa Francisco, em sua Bula, anunciando o “Ano Santo Jubilar”, recorda as crianças e adolescentes, os jovens, os idosos, os pobres, os migrantes…, necessitados de cuidado, atenção, caridade. Vemos, nos que se encontram em prisão e em suas famílias, esses rostos sofridos… Não é a violência, é o amor que salva, é o amor que liberta, é o amor que constrói… O apelo, para esse Ano Santo, é o de que devemos nos desacomodar, limpar “nossas vistas”, trazer em nós os mesmos sentimentos do coração humano e divino do Mestre e renovar, em nós, a alegria de servir, ao modo de Deus, em seu Filho Jesus… que nos conclama: “amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei” (Jo, 13,34).
Podemos e devemos ser criativos em nossas iniciativas para viver, com frutos, esse “Ano Santo Jubilar – Peregrinos da Esperança”. Não podemos desperdiçar as oportunidades que Deus nos concede. Na última Assembleia Nacional da Pastoral Carcerária, que aconteceu em São Paulo, nos dias 15 a 17 de novembro de 2024, muitas propostas foram apresentadas para a vivência deste Jubileu.
Apresento algumas delas que poderão muito nos ajudar. São elas:
- Consolidar nossa presença e atuação, na forma da pastoral carcerária, nos presídios;
- Mobilizar, com novo vigor, grupos eclesiais, conselho de comunidade, defensoria pública e outros organismos e entidades para ampliar ações em favor dos irmãos e irmãs encarcerados;
- Formar grupos reflexivos na metodologia da “justiça restaurativa” tanto para os que se encontram encarcerados, como também para egressos e familiares;
- Combater a tortura e a violência na defesa dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, valendo-se de mecanismos próprios, como de leis e órgãos responsáveis para coibir esses desmandos;
- Usar da pedagogia de motivar os sonhos a partir do “Projeto de Vida” dos irmãos encarcerados, como caminho para lhes alimentar a esperança e para lhes abrir novos horizontes;
- Trabalhar, criativamente, o tema da esperança, na perspectiva do Jubileu, nos presídios;
- Conseguir advogados voluntários, quem sabe com um trabalho em mutirão, para verificar quais pessoas presas podem receber indulto;
- Fomentar a aplicação de penas alternativas, na linha do desencarceramento;
- Celebrar o “Jubileu dos encarcerados” em cada presídio, acompanhadas de medidas internas transformadoras;
- Investir em alternativas, com trabalho de rede, para promover cuidado e atendimento humanizado em nossos presídios, na perspectiva de uma justa ressocialização dos que ali se encontram.
Para além destas propostas, nossos agentes da pastoral carcerária são chamados a se debruçarem sobre a sua realidade local, onde atuam, e sentir os apelos de Deus para implementar ações e oferecer presença que faz a diferença, no mundo dos cárceres, suscitando vida, esperança e abrindo horizontes novos para os irmãos e irmãs encarcerados.
A vida cristã se marca de momentos fortes para robustecer a fé e nos fazer instrumentos mais dóceis e eficazes de Deus uns para os outros. O Jubileu é um desses momentos privilegiados.
Que o nosso testemunho de fé, como Pastoral Carcerária, junto aos nossos irmãos e irmãs encarcerados e suas famílias, seja fermento de esperança, de uma esperança que não conhece ocaso, a esperança em Deus. Esperança do verbo “esperançar”, que nos lança, nos envia em missão, conforme o mandato de Jesus: “O que eu fiz, vão e façam” (Mt 28,19-20).
Será este o Jubileu que somos chamados a celebrar, como Pastoral Carcerária, em unidade e comunhão com toda a Igreja, em conformidade aos apelos do Papa e diante da realidade que nos desafia no mundo dos cárceres.
Não fechemos os olhos aos que mais precisam e partilhemos o que temos e somos com quem mais necessita… especialmente com irmãos e irmãs encarcerados. Se assim agirmos, com as bênçãos de Deus, este será “o ano favorável da parte do Senhor”.
Texto por: Pe. Marcelo e Magda