Diante do aumento assustador dos índices de violência, é legítimo exigir medidas eficazes a fim de garantir a todo brasileiro o direito à segurança pública.
A garantia da segurança pública é condição indispensável para o pleno exercício da liberdade e da cidadania. Negar o direito à segurança é negar ao cidadão o acesso a todos os direitos fundamentais. Ao mesmo tempo, porém, não dá para se unir ao coro daqueles que pensam em derrotar a violência com métodos igualmente violentos.
Chega de impunidade. Todo ser humano deve assumir as consequências de seus atos, sobretudo quando esses agridem a dignidade dos outros. O cidadão tem direito a exigir justiça e a sociedade, por meio de suas instituições legalmente constituídas, tem a legitimidade de fazer valer as leis em defesa de uma pacífica e justa convivência, mas sempre segundo os princípios da legalidade e do respeito aos direitos humanos.
O “fazer justiça” não pode se confundir com a lógica da vingança legalizada. “Fazer justiça” é garantir, a cada um, aquilo que precisa: à vítima, a solidariedade, o amparo, o direito à reparação do dano e a garantia da segurança. Ao agressor, a certeza da responsabilização, o dever de ressarcir a vítima e a oportunidade de um percurso de recuperação e ressocialização.
É a partir dessas premissas que se deve enfrentar o tema da “redução da idade penal”, para não correr o risco de surfar na onda das emoções, de cair na cilada da legislação do pânico e de optar por caminhos que não conduzem aos verdadeiros objetivos: preservar a vida e construir a cultura da paz.
Hoje, graças a uma estratégia de setores da mídia que protagonizam demasiadamente a participação de menores de idade na criminalidade, há um forte movimento que exige a redução da idade penal e o endurecimento das penas como formas para inibir a participação de adolescentes ma atuação criminosa.
Os “menores” tornaram-se uma espécie de “bode expiatório” a quem atribuir a responsabilidade do aumento da violência e o Estatuto da Criança e do Adolescente virou o grande vilão da impunidade.
Na realidade, mesmo constatando uma crescente participação de adolescentes na prática infracional e o ingresso cada vez mais precoce de crianças na criminalidade, precisa-se reconhecer que a complexidade do fenômeno da violência deve levar a sociedade a um nível de debate mais profundo, no qual o sensacionalismo ceda o espaço à razão e as soluções simplistas sejam superadas por políticas públicas que contribuam à construção da paz.
O rebaixamento da idade penal como proposta de enfrentamento ao aumento da criminalidade joga nas costas dos adolescentes a responsabilidade de tudo aquilo que está acontecendo. Dá-se a impressão que “os adolescentes infratores” caíram do céu como meteoritos que vieram infernizar a vida dos cidadãos de bem. Na realidade, a violência não é um fato acidental, nem tampouco uma invenção dos adolescentes, mas é o principal paradigma da nossa sociedade. Esta é estruturalmente violenta.
Infelizmente, as crianças e os adolescentes nascem e vivem em contextos profundamente violentos. Ao virem ao mundo, já encontram a violência bem instalada nas estruturas da sociedade, de braços abertos para seduzi-los e brutalizá-los. Uma análise superficial da origem dos adolescentes infratores é suficiente para mostrar como eles são o resultado do ambiente em que vivem. Há uma forte associação entre delinquência e contexto de socialização, marcado pela negação dos direitos, pela ausência das políticas sociais básicas, pela falta de infraestruturas, pelo rompimento dos vínculos familiares e comunitários, pela ausência de valores de referência.
Diante desse quadro, em boa parte dos casos, a marginalidade não é uma opção de vida, uma decisão do próprio adolescente, mas o resultado de seu abandono, da violação de sua dignidade, da ausência dos cuidados necessários, sobretudo das relações afetivas, indispensáveis ao seu desenvolvimento saudável. A maioria dos adolescentes autores de atos infracionais é o resultado do tipo de sociedade que nós criamos, são a tempestade que brota do vento que nós semeamos. São rebentos do sistema neoliberal que absolutiza o lucro, valoriza quem tem dinheiro e marginaliza quem não tem o que gastar para esquentar o mercado.
Está na hora de reconhecer que a violência não é um problema legal, mas sim social!
Enquanto nossos jovens não tiverem comida, escola, saúde, moradia… Enquanto não tiverem garantidos os direitos humanos, sobretudo à convivência familiar… Até que não tenham valores de referência vivenciados por adultos que prezam pela ética… Até que não sejam retirados da invisibilidade através do incentivo ao protagonismo e de ações de reconhecimento das potencialidades de cada um, serão terreno fértil para as organizações criminosas.
Alguém resume tudo isso com essas palavras lapidárias: “Para mim, o chamado menor delinquente é apenas mais um atingido pelo infortúnio comum, vítima de abandono mais grave, com as marcas de crimes maiores contra ele. Quem criou o mal criado? Quem desviou o desviado? Quem transviou o transviado?”.
Há quem sustente que o rebaixamento da idade penal seria uma medida necessária para impedir que os indivíduos com menos de 18 sejam utilizados pelo crime organizado. Pelo contrário. Só serviria a jogar no mundo do crime os jovens cada vez menores: adote-se o critério de 16 anos, e os traficantes recrutarão os de 15, reduza-se para 11 e na manhã seguinte os de 10 serão aliciados como soldados do tráfico.
A ideia de que a medida teria um impacto intimidatório e que contribuiria para diminuir a criminalidade não se sustenta. A mudança da legislação e o endurecimento das penas por si sós nunca surtiram o efeito de reduzir os índices de criminalidade. O fracasso da lei dos crimes hediondos e a falência do sistema penitenciário brasileiro são prova disso.
A história recente do Espírito Santo tem demonstrado inclusive que mais duro é o sistema penitenciário e mais aumentam os índices de violência. Nem a chance de passar um tempo em contêineres parecidos com fornos micro-ondas, nem o tratamento aviltante e vexatório, nem as péssimas condições de higiene e salubridade têm servido para que muitos desistam da criminalidade. No caso dos adolescentes, a experiência precoce na cadeia só contribuiria para aumentar ainda mais a criminalidade, uma vez que a taxa de reincidência no sistema carcerário é superior à taxa nas instituições juvenis.
Por fim, há quem sustente que o ECRIAD favoreça a impunidade. Na realidade, isso não é verdade. A partir de 12 anos, o adolescente a quem se reconheça autoria de delito responde pelos crimes ou contravenções penais (atos infracionais) que pratica. Pode ser internado (preso), processado, sancionado (condenado) e, se for o caso, cumprir a medida (pena) em estabelecimentos educacionais, que, na maior parte dos casos, são verdadeiros presídios.
O Estatuto da Criança e do Adolescente não promove a impunidade. O adolescente senta no banco dos réus tanto quanto um adulto. As medidas previstas no ECRIAD (art. 112), como a internação em estabelecimento educacional até três anos, a inserção em regime de semiliberdade, a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade, são iguais ou muito semelhantes àquelas previstas no Código Penal para os adultos.
O legislador, ao criar as medidas sócio-educativas, tentou dar um tratamento diferenciado aos adolescentes, em vista de sua recuperação e reintegração à comunidade, o que lamentavelmente não ocorre, pois na hora da execução, transformam-se em verdadeiras penas, completamente inócuas, ineficazes, gerando a impunidade, tão reclamada e combatida por todos.
No processo de sua execução, esta é a verdade, as medidas transformam-se em castigos que não recuperam ninguém, a exemplo do que ocorre no sistema penitenciário adotado para os adultos.
A questão central, portanto, não é reduzir a maioridade penal ou ampliar o prazo de internação, mas discutir o processo de execução das medidas aplicadas aos adolescentes, que, exceto algumas experiências bem sucedidas, é cheio de falhas. É preciso corrigi-lo, pô-lo em funcionamento e, além disso, aperfeiçoá-lo, buscando assim a recuperação de jovens que se envolvem na criminalidade.
Não dá para afirmar que o Estatuto é uma lei falida se nem sequer ainda foi efetivamente aplicado.
Padre Saverio Paolillo (Padre Xavier)
Misisonário Comboniano
Integrante da Pastoral do Menor e da Pastoral Carcerária