O ano era 1997 e a equipe da Pastoral Carcerária fazia suas primeiras visitas às cadeias públicas – Dacar I e IV em São Paulo. Ao conversar com as presas, descobria que o Estado estava indiferente com as necessidades das que estavam grávidas ou das que não tinham mais contato com os filhos. Diante disso, as agentes da Pastoral acionavam advogados amigos, que apresentavam os casos à Justiça, para que as gestantes e mães presas recebessem os devidos atendimentos jurídicos, de saúde e de assistência social.
Esse trabalho pioneiro da Pastoral Carcerária ganhou força em 2011, quando em parceria com a Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo foi criado o projeto “Mães no Cárcere”, com a meta de que três núcleos especializados da Defensoria – da Infância e Juventude, de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, e da Situação Carcerária – construíssem uma política de atendimento às mães presas e seus filhos.
E finalmente a política existe. Em 8 de março, foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo a deliberação do Conselho Superior da Defensoria Pública que cria a política institucional de atendimento às mulheres presas visando assegurar a gestação segura e o exercício da maternidade durante o período da custódia penal, bem como a garantia, com prioridade absoluta, dos direitos das crianças e dos adolescentes.
A política – que leva em conta alguns preceitos constitucionais, a Convenção sobre os Direitos da Criança, o Estatuto da Criança e do Adolescente, as Regras de Bangkok, as Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Mulheres Presas, a Lei de Execução Penal e o Código Penal – compreende o atendimento jurídico integral, em todo o estado de São Paulo, às mulheres presas que estejam grávidas ou em período de amamentação, bem como àquelas que tenham filhos com menos de 18 anos em situação de vulnerabilidade decorrente da custódia penal de sua mãe ou cujo convívio esteja obstruído.
A gestão informacional da política, que envolve o recebimento, registro e encaminhamento dos casos, estará a cargo de um núcleo permanente de assessoria, chamado de Convive, que agregará as informações repassadas pela Primeira Subdefensoria, os núcleos especializados da Infância e Juventude, de Situação Carcerária e de Promoção e Defesa dos Diretos da Mulher, além de dados de agentes e assistentes técnicos da Defensoria classificados nos núcleos, nos Centros de Atendimento Multidisciplinares e na Assessoria Técnica Psicossocial.
O que muda na prática?
Demandas apresentadas pelos agentes da Pastoral Carcerária, assim como de ONGs e entidades sociais que tiverem contato com as mães no cárcere, serão recebidas pela Convive, mas agora se torna obrigação do estado de São Paulo informar a Defensoria Pública se há demandas específicas das mulheres que são mães, gestantes e parturientes.
A Convive deverá receber as demandas diretamente da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), por meio de formulários preenchidos com as presas assim que ingressem nas unidades prisionais. Defensores Públicos que tomem conhecimento de casos também poderão comunicar a Convive, assim como as próprias presas, seus amigos, familiares, e entidades da sociedade civil.
Os órgãos responsáveis que receberem os casos encaminhados pela Convive deverão informar, o mais rápido possível, sobre os encaminhamentos que serão tomados.
Há mudanças concretas para a mãe presa?
Para se ter ideia do quanto a política institucional de atendimento às mulheres presas pode fazer a diferença na vida das mães encarceradas e dos seus filhos, recorda-se o seguinte caso:
Após o atendimento jurídico de uma mãe que era ré em processo de destituição do poder familiar e cujo filho estava em entidade de acolhimento institucional, foi possível obter a informação de que a avó da criança poderia ficar com o neto durante o período de privação de liberdade. A defensora que atuava no caso informou isso no processo e a criança retornou para o convívio familiar.
O que ainda pode ser aprimorado na legislação brasileira
Em sua origem, o projeto “Mães no Cárcere”, idealizado pela Pastoral Carcerária, visa garantir o direito à prisão domiciliar para as presas gestantes; assegurar que o prazo de amamentação dos bebês não seja apenas de seis meses (tempo mínimo); concretizar a ampla defesa das mães presas que são rés em processo de destituição do poder familiar; e garantir a convivência familiar da mãe presa com o filho que está em programa de acolhimento institucional (“abrigo”), por meio de visitas.
Em agosto de 2011, a partir de um diálogo da Pastoral Carcerária com a Ouvidoria da Defensoria Pública e do Tribunal de Justiça de São Paulo foi realizado o seminário “Mães do Cárcere: Construindo Caminhos para a Garantia da Convivência Familiar de Mulheres e Crianças”, do qual resultou a chamada “Carta de São Paulo”, documento com diretrizes para atuação dos diferentes setores do Poder Público, entre os quais a Defensoria Pública, que elaborou cartilha sobre o tema e se comprometeu com o aprimoramento de sua política de atendimento das mulheres presas, resultando na recente política institucional.
Outro desdobramento do projeto “Mães no Cárcere” foi a concepção de projeto de lei (PLC 58/2013) que propõe alteração de dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para garantir, expressamente, o direito à ampla defesa de rés e réus em processo de destituição do poder familiar que estejam privados de liberdade e também para garantir à criança o convívio familiar com mãe e pai eventualmente privados de liberdade. O projeto, elaborado pela Pastoral Carcerária e apresentado ao Congresso Nacional pela Presidência da República, está em fase final de tramitação no Senado. A sua aprovação significará importante passo para o fortalecimento de políticas que priorizam o convívio familiar em detrimento da pena de prisão e de seus efeitos deletérios’
A atenção às mães presas e seus filhos está prevista lei:
– Consta na Constituição de 1988 que às presidiárias deve ser asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período da amamentação.
– A Lei de Execução Penal assegura acompanhamento médico à mulher, especialmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.
– A Resolução nº 3 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de 2009, garante a permanência de crianças no mínimo até um ano e seis meses para os filhos de mulheres encarceradas junto com as mães.
– O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura à gestante atendimento pré e perinatal na rede pública de saúde, devendo ser dadas condições de aleitamento materno inclusive aos filhos de mães submetidas a medidas privativas de liberdade.
– O 3º Plano Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, postula sobre a construção de estabelecimentos prisionais com alas específicas para grávidas e garante assistência pré-natal à saúde de mulheres grávidas encarceradas.
– Nas Regras Mínimas de Tratamento de Prisioneiros da Organização das Nações Unidas (1984), prevê-se que nos estabelecimentos penais haja instalações especiais para o tratamento de presas grávidas e das que acabaram de dar a luz, além da construção de berçários e creches.
– As Regras de Bangkok postulam que mulheres grávidas e lactantes que estejam presas devem receber orientação sobre dieta e saúde e tanto elas quanto os bebês e crianças tem direito à alimentação adequada e pontual em ambiente saudável e com possibilidade de exercícios físicos regulares. Determina, também, que crianças na prisão com as suas mães jamais serão tratadas como presas.