“Estudar é um ato de rebeldia”, diz sobrevivente do cárcere na mesa de encerramento do II Seminário Internacional Amparar

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Por Isabela Menedim

 

 

 

Nos dias 16, 17 e 18 de novembro, o Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP recebeu palestrantes e plateia nacionais e internacionais para a realização do II Seminário Internacional Amparar, com o tema “Tecendo redes globais pelo fim das prisões”.

A mesa de encerramento abordou a questão de gênero e identidade no cárcere, com mediação de Viviane Balbuglio, da Amparar.

Integrante da Agenda Nacional Pelo Desencarceramento de Sergipe e sobrevivente do cárcere, Iza Negratcha iniciou a partilha discursando sobre a situação política durante as eleições e a sua ligação ao preconceito com pessoas privadas de liberdade. “Quando chamavam o candidato eleito de ex-presidiário, bandido ou marginal, aquilo me doía muito”. 

Iza questiona porque um sobrevivente do cárcere não poderia assumir um espaço de poder, e ressalta que eles não deixaram de ser humanos. Ela conta que sente que deve provar o tempo todo quem é, por ser uma sobrevivente. 

A violência sofrida pelas mulheres dentro do cárcere chega a violar até os direitos humanos dos seus filhos recém nascidos. Iza relata ter entrado em trabalho de parto no chão de um hospital, algemada e acompanhada por dois agentes prisionais fortemente armados.

Ela conta que chorou ao pensar nas mulheres que passaram o mesmo que ela e também não receberam um tratamento psicológico necessário.

Hoje estudante de direito, Iza relata ter trabalhado na biblioteca durante o cumprimento da pena e leu o código penal três vezes. “Me tornei advogada lá dentro mesmo, e estudar é um ato de rebeldia”, conclui.

Do Coletivo Tem Sentimento, Viviane Alcântara afirma que para travestis, lésbicas e gays a discriminação já acontece dentro de casa, e acabam sendo obrigadas a ter que escolher entre a prostituição e o crime.

Ela conta sobre a dificuldade de conseguir um emprego depois de ter sido presa pela primeira vez, por ser uma travesti preta e sobrevivente do cárcere. “Fui para o crime novamente. A sociedade vê travestis como objeto sexual e eu não queria aquilo de novo”.

Finalizando animada sua primeira participação em uma mesa, Viviane pede para que as pessoas olhem mais para esse grupo, já que  “Não existem só dois gêneros, são vários”.

A fala seguinte foi de Tempestade, sobrevivente do cárcere, que passou a integrar a Amparar depois de ter saído do sistema prisional. “Quando estamos lá dentro, não temos ideia de que existem pessoas do lado de fora lutando por nós”.

Hoje, nos dias que ocorrem as saidinhas, Tempestade espera pelas mulheres do lado de fora do presídio com um grupo de voluntários, que entregam roupa e dinheiro arrecadado para transporte e alimentação. 

Cláudia Cardona, do Mujeres Libres Colômbia, é mãe de Laura Vargas, que discursou no dia anterior, e emocionou o Salão Nobre ao relatar que não teve uma rede de apoio familiar quando foi presa, e só tinha sua filha de quatro anos, que não podia visitá-la e levar produtos de higiene.

Quando o pai de Laura levava a garota para visitar a mãe, era Cláudia quem arcava com os custos de transporte e alimentação, ou não poderia vê-la. Muitas vezes ela não conseguia o dinheiro e ficava sem ver a filha por longos períodos de tempo.

A palestrante conta que quando viu a filha depois de seis meses, estava esperando uma menina, e não conseguiu acreditar quando se deparou com uma adolescente maior que ela. 

“Agora tenho uma filha com quem posso contar, que se tornou uma mulher forte, potente e poderosa. E vocês a escutaram ontem”, conta comovida enquanto Laura aparece para abraçá-la. 

O seminário foi marcado por falas fortes e escuta ativa. Em alguns momentos o público concordou silenciosamente com a cabeça, se revoltou com os relatos e ovacionou todos os palestrantes que se disponibilizaram para agregar com as suas histórias pessoais de luta.

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