Em defesa do Auxílio-reclusão

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Já não é de hoje que circulam charges e correntes criticando – ironizando – o auxílio-reclusão, devido aos dependentes de todo segurado do INSS condenado e que cumpra pena em regime fechado ou semi-aberto. Essa diferenciação é relevante para contextualizar o benefício, especialmente quanto ao público para o qual é dirigido. Afinal, o que se discute é o pagamento de um valor fixo, mensal, equivalente ao auxílio-doença ou à pensão por morte, para custear a subsistência da família durante as etapas mais rígidas do cumprimento da pena, muito diferente do benefício per capita divulgado sem qualquer critério pelo meio eletrônico.
Estabelecido um teto para o último salário recebido – hoje, R$ 915,05 –, a necessidade de preservar o status de segurado na ocasião do recolhimento ao cárcere, além da previsão de perda do benefício em caso de fuga ou tão logo o titular seja posto em liberdade, é evidente que não se busca premiar aquele ou aquela que é privado de liberdade sob a acusação de cometimento de algum crime, alvo de um estereótipo repudiado das mais diversas formas. Quem fará jus ao benefício será o arrimo de família, aquele cuja falta no lar representa, além da carência afetiva ou familiar, um evidente problema social, na medida em que seus dependentes – pais, cônjuges ou companheiros e filhos até os 21 anos – necessitarão, tanto quanto antes do encarceramento, suprir suas necessidades básicas com alimentação, transporte, saúde e moradia.
Mas nossa lógica social não permite ver dessa forma. Tudo induz ao pensamento de que o cidadão simplesmente não deveria ter cometido qualquer delito, seguido um script que qualquer de nós diz observar, negligenciando suas infrações diárias. Sob uma série de blindagens artificiais, a realidade da população de baixa renda fica em segundo plano, e qualquer trabalhador preso é virtualmente considerado como alguém irrecuperável. Não considera os abusos policiais, as prisões por desacato em flagrante, o isolamento nas delegacias e as “falhas” endêmicas do sistema prisional na suposta finalidade de recuperar as pessoas,.E pressupõe, sobretudo, um modelo jurídico em que qualquer pessoa seja imediata e eficientemente julgada pelos delitos que cometeu.
Note-se que o valor total do benefício (máximo de 915,05 reais) é rateado por tantos dependentes quantos houver e que, apesar do alarde, poucas, infelizmente, são as pessoas presas cujos familiares têm direito ao auxílio-reclusão. O motivo? A seletividade penal: como se sabe, o sistema prisional é permeado por pessoas que nunca tiveram acesso a direitos sociais básicos e que, em regra, jamais trabalharam com carteira assinada.
Em recente entrevista a Carta Capital, Vladimir Safatle adianta o raciocínio que o levou a apontar um conceito profundo de egoísmo, ou redução egológica do sujeito, como responsável por uma série de sofrimentos contemporâneos. A rejeição em absoluto da instituição de um benefício que vise proteger a estrutura familiar de alguém preso, especialmente quando divulgada com claro esforço de desinformação, mostra que esse conceito tem muito a dizer sobre o posicionamento majoritário das pessoas diante de temas delicados, polêmicos, mas profundamente humanos. Afinal, trata-se basicamente de transferir a pena a uma série de pessoas, condenando-as ao mesmo futuro incerto guardado para aqueles que passam pelo degradante sistema prisional brasileiro.

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