Assessor jurídico da PCr comenta prática de tortura no caso Tayná

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A tortura de quatro homens acusados do estupro e assassinato da adolescente Tayná Adriane da Silva, 14 anos, em Colombo (PR), ocorrido em 25 de junho, mostrou que essa prática que remete à ditadura militar ainda é frequente no país.
Os acusados foram torturados para que confessassem o crime, mas um exame de DNA posterior mostrou que o sêmen na calcinha da adolescente não era de nenhum dos quatro, que assim foram soltos, em 15 de julho, com escoriações no corpo e feridas causadas pelas algemas.
Em entrevista ao jornal online GGN, José de Jesus Filho, assessor Jurídico da Pastoral Carcerária, comentou sobre as características da prática de tortura no Brasil e o (des) preparo das polícias do país para as investigações criminais.
Jornal GGN – Como é praticada a tortura no sistema carcerário?
José de Jesus Filho – A postura não ocorre só dentro do sistema penitenciário, e sim dentro de casas, nas ruas, na delegacia… Cada lugar tem uma razão diferente. Na casa, o policial militar tortura para que o suspeito diga onde está a droga. Na rua, pode ser para saber onde está a droga, o objeto furtado, ou o parceiro do crime; na delegacia, é para que confesse durante interrogatório.
GGN – A tortura foi usada no Caso Tayná, por exemplo. Os suspeitos pelo estupro e morte da menina não foram apontados, segundo exames de DNA, como autores dos crimes. Mesmo assim, foram forçados a confessar o delito. Esse caso é reflexo do que ocorre nos crimes com apelo popular e midiático?
José de Jesus Filho – Sim. O policial civil quer dar uma resposta ao apelo popular, à comoção pública. Ele também age com um certo ódio. O problema da tortura é que não é um mecanismo eficaz de busca da verdade, e sim, para encontrar culpados. A pessoa, para se livrar do tormento, confessa o que o policial quer. Esse caso é especial porque, se o exame de DNA não fosse negativo, as pessoas estariam apoiando a tortura.
GGN – Mesmo sem provas concretas?
José de Jesus Filho – Imagine se o exame desse positivo: muita gente apoiaria a tortura. É a vingança coletiva. Lembra do caso dos Nardoni [menina Isabella Nardoni, morta aos 5 anos pelo pai e pela madrasta, em 2008]? É a mesma coisa. As pessoas acham que a tortura é perfeitamente aceitável. Imagine se nós não tivéssemos DNA, se fosse na década de 1980? Esses rapazes já estariam condenados.
GGN – Há índices de tortura no Brasil?
José de Jesus Filho – Só na Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República. Eles só fornecem os dados para quem eles querem. A tortura acontece em vários cantos.
GGN – Isso acaba denotando uma falha do governo em não sistematizar o índice de tortura?
José de Jesus Filho – O governo não tem criado mecanismos de prevenção à tortura. Os interrogatórios não são filmados. Ninguém deveria ficar na delegacia por mais de um dia, mas fica. O governo federal não criou uma fiscalização periódica nas prisões. O Ministério Público deveria fazer isso, mas não faz. Deveria ser o primeiro, mas omite. Não há controle da atividade dos policiais.
GGN – Mas e as corregedorias? Esse não é o papel delas?
José de Jesus Filho – As corregedorias funcionam mais como um sindicato do que como corregedoria, entendeu? Elas são corporativistas, protegem os policiais, não investigam com seriedade, até porque eles são delegados de polícia. Você viu a reação da polícia [no Caso Tayná]… foi imediata. Para eles, o exame de DNA deveria ser refeito e deveria ser colocado em dúvida.
GGN – Existe um perfil de torturado?
José de Jesus Filho – Qualquer pessoa pode ser, mas tem um perfil de torturáveis. Por exemplo: um empresário fez uma lavagem de dinheiro. A Polícia Federal quer saber qual foi o esquema de lavagem. Mas não vai torturá-lo, porque ele é branco, é de um extrato social elevado. Agora se o indivíduo é negro, morador de favela, pratica furto, a chance de ele ser torturado é muito maior. O perfil clássico é de jovem de 15 a 29 anos, homem, de baixa escolaridade, no mercado informal de trabalho, e, geralmente, é negro.
GGN – As mulheres são torturadas?
José de Jesus Filho – São muito, mas é diferente. É sexual. Há estupros. O policial a coloca dentro de uma sala, e a manda tirar a roupa, descreve o corpo dela, passa a mão no corpo… Tenho como exemplo um caso de uma mulher de 40 anos que ficou nua na delegacia, durante averiguação. Os policiais ficaram passando a mão nela, apalpando os seios, dizendo que eles eram caídos, humilhando-a. Outro foi de uma lésbica, que tentou furtar um mercado. Os policiais ficaram dizendo que iriam tirar o diabo do lesbianismo do corpo dela, a despiram para ver qual era o seu sexo. Além disso, cortaram o corpo dela com compasso e pegaram uma barra de ferro, quebrando o braço dela. Há muita crueldade.
GGN – Como é ação do policial?
José de Jesus Filho – Se ele achar um dos suspeitos, ele vai torturar. O policial não vai persuadir, ele vai torturá-lo. As polícias especializadas em interrogatório no exterior são preparadas para persuadir, descobrir pistas, montar as peças do crime. No Brasil, a polícia não tem capacitação, mas tem uma cultura autoritária, da linguagem da violência.
GGN – De onde vem essa cultura autoritária, da ditadura militar?
José de Jesus Filho – Ela vem de bem antes, é herança do colonialismo, sendo agravada pela ditadura. Num estado como São Paulo isso acontece [tortura]. No Sul, como no Paraná, e nas regiões do Norte e Nordeste, as instituições democráticas não são tão bem estabelecidas. Isso abre precedentes para essas barbaridades. Em São Paulo isso ocorre, mas de uma maneira mais velada. Aquilo que aconteceu no Paraná [apoio policial] não seria tão corporativista aqui em São Paulo. Eu sei disso porque sou de lá. Não seria tão imediato e teria uma resposta de “vamos apurar”. Lá, não.
GGN – O Sul do país tem muitos casos de intolerância, até de neonazismo. Por que isso acontece em sua opinião?
José de Jesus Filho – Isso é muito frequente, infelizmente. No caso do Paraná, não vou dizer que é um estado fascista, mas há uma cultura de intolerância, e de certo racismo. Isso para mim é claro. Além disso, é um estado mais conservador. Onde há conservadorismo, há práticas autoritárias, de truculência contra os suspeitos.
GGN – Quais são as ações da Pastoral?
José de Jesus Filho – Nós já denunciamos centenas de casos de tortura, visitamos as prisões, e quando identificamos uma suspeita de tortura, fazemos uma representação ao MP.
GGN – Como está o andamento das denúncias: elas avançam ou estão paradas?
José de Jesus Filho – Elas estão paradas, porque o MP é resistente em apurar os casos de tortura. Muitos acham que a tortura é legítima, que o suspeito está mentindo, e muitos se sentem pares dos policiais, como se fossem da mesma corporação. Muitos promotores e juízes pensam que são agentes de segurança pública. O promotor confunde o papel dele, e se vê como agente de segurança.

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