Mães encarceradas podem celebrar o Natal?

 Em Mulher Encarcerada

2111 Capa e interna superior Maes presasA Pastoral Carcerária, presença da Igreja no mundo do cárcere, é desafiada, constantemente, em seu principal objetivo: anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo à pessoa privada de liberdade.
Quando, de dentro da Igreja, preparamos o Natal com as famílias, comunidades, pastorais e movimentos, o desafio, quase sempre, é reunir pessoas para juntas celebrarem as novenas e o preparo para a festa do nascimento de Jesus. Para a Pastoral Carcerária, que antes de celebrar busca acolher e escutar as pessoas presas, onde o anúncio se faz mais pela presença e pela escuta, o desafio é mais duro. As mulheres, mães presas, nos fazem sérios questionamentos, sobre os quais, nem sempre, temos respostas ou explicações bíblicas, espirituais ou teológicas que as convençam ou que aliviem as suas dores.
Nos presídios femininos da capital paulista, localizados no bairro de Santana, na zona norte, vivem mais de 3 mil mulheres. O Brasil já soma quase 36 mil mulheres encarceradas. Quase todas, mães! Mães de crianças! Mães de menores! Entre elas, o número de mães que tem o marido preso ou que moram em favelas é muito alto. São mães excluídas, marginalizadas, rejeitadas e pobres.
A Pastoral Carcerária, ao visitar as unidades prisionais, já sente o clima de preparação para o Natal. As celas, os corredores e os pátios começam, lentamente, a serem revestidos com desenhos, artesanatos e ornamentações natalinas. As mães preparam o ambiente para receberem os seus filhos e filhas, as suas crianças e, talvez, algum parente a mais, quase sempre as suas próprias mães. Para essas mães presas é um momento de grande expectativa, misturado com um sentimento de saudade, de profunda angústia e de revolta.
Ao nos encontrarmos com elas, o primeiro contato é carregado de lamento. As falas são muito semelhantes: “Pela pobreza cometi crime. Pelo crime, no meu desespero, estou presa. Longe dos meus filhos, longe das minhas crianças!”, repetem muitas e muitas mulheres. A maioria delas toma remédios antidepressivos para dormir ou por causa da ansiedade. Essas mães não suportam viver separadas de seus filhos e filhas. Na visita desta semana, a quase um mês da celebração do Natal, encontrei duas mães que já tentaram suicídio. Ao me encontrarem, uma delas me disse: “Padre, eu não aguento mais ficar longe dos meus filhos, eles são pequenos, eu não suporto mais esta separação!”. A outra mãe acrescentou: “A minha menor está com dois aninhos. Prefiro morrer a continuar separada dela!”.
Há alguma palavra que alivie a dor de uma mãe que teve o filho arrancado de seus braços? Há algum consolo para uma mãe que, amamentando sua criança, vê seu filho ou sua filha sendo levado para longe? Separados! Lembro-me de uma conversa com uma mãe, também em uma unidade prisional no bairro de Santana, em outra visita: “Padre, de noite, eu escuto o choro da minha filhinha querendo ser amamentada! Não consigo dormir, meus peitos estão duros pelo leite que falta à minha filhinha!”
Quem já participou de uma festa natalina no presídio pôde ver muitas crianças brincando alegres, agarradas às suas mães. Mas quem ficou depois da festa viu também muitas mães nas celas, com os braços vazios, chorando!
Será que a pena de prisão e o sistema prisional deixarão essas mães pobres em condições melhores para sustentar, criar, educar e amar os seus filhos e filhas, as suas crianças, quando saírem do presídio?
E nas crianças? O que afetou em suas vidas a prisão das suas mães, quando foram arrancadas do convívio e do acalento materno? Qual o efeito, pelo resto de suas vidas, da experiência de quem muito cedo viu que, além da pobreza, o Estado violentou a sua família, separando-as e as deixando órfãs? Os pais que abandonam os seus filhos não são considerados criminosos diante de nosso Código Penal? Mas e o Estado? Como o Poder Judiciário pode arrancar as crianças dos braços de suas mães, separando-as, deixando-as sem contatos por longos e difíceis períodos? Além da família e da sociedade, também não é dever do “Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (cf. Constituição Federal, art. 227)? Será que os filhos dessas mulheres serão pessoas melhores porque as mães ficaram presas?
Eis um desafio muito grande para os (as) agentes da Pastoral Carcerária: celebrar a festa do Natal com estas mães! A Pastoral, nos cárceres do Brasil, se faz presente animando, levando presentes, colaborando com a festa e celebrando a missa do Nascimento do Menino Jesus – Menino-Deus que se fez pobre em uma família que foi perseguida: “José levantou-se de noite, pegou o menino e a mãe dele, e fugiu para o Egito”. (Mt 2,14) –, tentando amenizar e partilhar uma luz de esperança e de vida neste contexto de trevas em que vivem as pessoas privadas de liberdade, ainda mais na condição de mães de menores.
O agente de Pastoral Carcerária é desafiado, na escuta da Palavra e no acompanhamento dessas mães, a contribuir para que essas mulheres encontrem o caminho e a estrela que as conduzam à esperança e à descoberta de um Deus que quer caminhar com elas para que, também, sejam protagonistas de sua libertação.
O Papa Francisco, na Missa de Todos os Santos, neste ano, falou para cada um e cada uma de nós. Foram palavras de orientação e de apoio, que nos ajudam a entender este mundo de injustiça; a compreender e a nos sensibilizar sobre quem são as pessoas que se encontram nas prisões, e quem são as pessoas que foram separadas delas; e, principalmente, a nos conscientizarmos sobre quem cria e mantém este mundo de sofrimento:
Interna inferior Padre Valdir prisoes femininas“Para o papa, o deus-homem apoderou-se do que Deus fez de belo para a humanidade, o que implica consequências nefastas: Quem paga a festa? Eles, os pequenos, os pobres, aqueles que de pessoas acabaram em descartável. E isto não é história antiga, acontece hoje.
Parece que esta gente, estas crianças com fome, doentes, parecem que não contam, que são de outra espécie, não são humanos. E esta multidão está diante de Deus e pede: ‘Por favor, salvação. Por favor, paz. Por favor, pão. Por favor, trabalho. Por favor, filhos e netos. Por favor, jovens com a dignidade de poder trabalhar’.
A fé cristã baseia-se na esperança de que cada pessoa será semelhante a Deus: a esperança que tenha piedade do seu povo, que tenha piedade desses que estão na grande tribulação. Também que tenha piedade dos destruidores, para que se convertam.
E qual deve ser a nossa atitude, se queremos entrar neste povo e caminhar para o Pai, neste mundo de devastação, neste mundo de guerras, neste mundo de tribulação? A nossa atitude, ouvimos no Evangelho, é a atitude das bem-aventuranças, afirmou Francisco”.
(Fonte: Boletim da Pastoral da Cultura)
Padre Valdir João Silveira
Coordenador nacional da Pastoral Carcerária

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