NOTA PÚBLICA CONTRA A VIOLÊNCIA E A TORTURA NO SISTEMA PRISIONAL DE GOIÁS

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Igreja em Saída, Notícias

As organizações signatárias desta nota manifestam sua preocupação com a alarmante situação do
sistema prisional goiano mergulhado, nos últimos quatro meses, em uma sucessão de fatos
envolvendo violências como torturas, mortes e fugas, que podem estar sinalizando a configuração
gradual das condições para a eclosão de uma possível rebelião.

De junho até setembro de 2022, ocorreram sete episódios muito preocupantes, que merecem uma
apuração rigorosa assim como as denúncias feitas por detentos em duas cartas escritas de próprio
punho e divulgadas nos meses de agosto e setembro, que apontam para uma crise no sistema
prisional goiano. Inclusive porque o governo estadual não consegue oferecer aos detentos uma
suficiente assistência social, educacional, psicológica, jurídica, médica, sem esquecer que eles
possuem direitos e cidadania, devendo ser tratados com a dignidade prevista em lei.

A partir do mês de junho, houve o encadeamento de uma série de violências em meio a uma situação
permanente de denúncia de violações de direitos feita por familiares e pelas pastorais Carcerária
Nacional e Estadual.

No dia 16 de junho, o detento Luiz Rodrigo Moreira da Silva foi morto com um tiro na cabeça durante
um tumulto na hora do banho de sol na Penitenciária Odenir Guimarães (Aparecida de Goiânia),
aparentemente disparado por um policial penal. Pouco mais de um mês depois, em 20 de julho, outra
morte em circunstâncias mal esclarecidas. Dessa vez, no presídio de Formosa. A família de Paulo
Henrique Câmara da Costa foi informada de seu falecimento por causas naturais. Ao constatar
hematomas nas mãos, orelhas e rosto, os familiares tiveram o pedido negado de encaminhamento do
corpo ao IML. Ao mesmo tempo, os presos de Formosa denunciaram que essa morte foi provocada
por tortura e escreveram uma carta estarrecedora com vários relatos graves de torturas, agressões
físicas e verbais, acesso negado a livros e bíblia, e má alimentação, publicada na reportagem
“Familiares de presos denunciam tortura em presídio de Formosa após morte de detento”, do dia 3 de
agosto de 2022, no jornal O Popular.

Seis dias depois da morte no presídio de Formosa, em 26 de julho, Paulo Cesar Pereira dos Santos,
Hyago Alves da Silva e Matheus Junior Costa de Oliveira foram mortos na Casa de Prisão Provisória
(CPP), no Bloco B1 do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, supostamente asfixiados,
possivelmente por estrangulamento. As causas e circunstâncias são investigadas pela Polícia Civil. No
dia seguinte (27/07/2022), João Victor Nunes Araújo Guedes foi encontrado morto em uma das celas
do Bloco 3, Ala B, também na CPP.

Na madrugada do dia 1˚ de agosto, dois presos fugiram do mesmo lugar onde ocorreram os quatro
assassinatos e nesse mesmo dia, uma mulher que cumpria pena na Casa do Albergado, em Goiânia,
também foi encontrada morta. Ou seja, cinco mortes em menos de uma semana no sistema prisional
goiano, além da fuga de dois presos do Complexo Prisional, sem maiores esclarecimentos. E no dia 3
de agosto, houve uma tentativa de homicídio entre os presos, de Fabricio dos Anjos contra Paulo
Henrique, impedida por agentes penitenciários.

Em 14 de setembro, mais um episódio grave de violência voltou a acontecer. Segundo a Diretoria
Geral de Administração Penitenciária (DGAP), um tumulto entre presos na Casa de Prisão Provisória
(CPP) no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, contido pelo Grupo de Operações
Penitenciárias (GOPE), da Polícia Penal, resultou em 5 presos baleados e 8 feridos.
No dia seguinte, 15 de setembro, uma nova carta-denúncia foi escrita por presos da Penitenciária
Odenir Guimarães (POG) com um apelo dramático por socorro e relatos de tortura regulares por
espancamentos, choques, afogamentos, asfixia, além de agressões verbais e diversos tipos de
privações, desde água e eletricidade até contato afetivo com familiares.

A tortura é um problema sistêmico e estrutural do Brasil, incluindo Goiás, há muitos anos. As ações
tomadas até o presente momento em diferentes setores do Estado goiano e brasileiro não são
suficientes para fazer esse tipo de enfrentamento. Pelo contrário, apesar do Brasil ser membro dos
principais tratados de direitos humanos das Nações Unidas e da OEA que proíbem a tortura e os
maus-tratos, da Constituição federal também proibir tais práticas em seu artigo 5˚ e da Lei da Tortura
(nº 9.455 / 1997) ser aplicável a todo o território brasileiro, existe uma tolerância calculada por parte
das autoridades públicas, que garantem essa prática como método de controle e punição.

Também é importante mencionar que, nesse ambiente, as famílias vivem uma situação permanente de
ansiedade, angústia e sofrimento psíquico, são discriminadas socialmente e perseguidas com
ameaças de represálias quando tem coragem de denunciar violações de direitos humanos.
Apelamos às autoridades do Estado – governo estadual e secretaria de segurança pública – para que
promovam uma rigorosa e transparente apuração de todos os fatos ocorridos, assim como das
denúncias contidas nas cartas redigidas pelos presos. E ao Poder Judiciário, que se manifeste e
acione o poder público em defesa da lei e dos direitos humanos.

Além disso, que o Estado adote medidas contra o uso excessivo da força, torturas e mortes no sistema
prisional e a impunidade dos responsáveis por tais atos, garantindo os mecanismos necessários para
sua investigação. É importante garantir que ninguém – presos ou familiares – seja perseguido ou
ameaçado por ter feito denúncias sobre violações de direitos.

Por todos esses motivos, reiteramos nosso apoio à proposta urgente de implantação de câmeras nas
fardas de policiais penais, militares e civis como uma das medidas de redução da letalidade policial e
abuso do uso da força conforme já demonstrado por estados que adotaram a nova tecnologia.
Nós, signatários dessa nota, repudiamos a crescente adoção da violência como um instrumento do
Estado para atuar nas questões da segurança pública e sua falta de disposição em enfrentar o
problema com transparência, inteligência e desenvolvimento de políticas públicas com controle social.

Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino
Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil
Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos da UFG
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua | MMMR-GO
Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos | MTD-GO
Movimento Nacional da População em Situação de Rua | MNPR-GO
Pastoral Carcerária de Goiás
Rede Goiana de Mulheres Negras
Mães de Maio no Cerrado
Grupo de Mulheres Negras Dandara no Cerrado
Grupo de Mulheres Negras Malunga
Coletivo Pretas de Angola
Movimento Negro Unificado Goiás
Movimento de Policiais Antifascismo de Goiás
Instituto Brasil Central | IBRACE
RENOSP LGBT
Coletivo Mães pela Paz
Associação dos Familiares e Amigos de Pessoas Privadas de Liberdade do Estado de Goiás
Associação de Juristas pela Democracia (ABJD) Goiás

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