Pastoral nos Estados: Ceará e o aumento da militarização nas prisões

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Em janeiro deste ano, após a nomeação do novo responsável pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Ceará,  que prometeu endurecer a política de segurança nas prisões, as ruas foram marcadas por uma onda de ataques contra prédios públicos, ônibus e comércios, que chamou a atenção do país para a pauta da segurança pública no estado.

Ademais, a Secretaria promoveu o fechamento de quase 100 cadeias públicas espalhadas por todo o Estado, transferindo milhares de presos aos presídios já existentes, concentrados na região metropolitana de Fortaleza, no Cariri e em Sobral. No entanto, pouco se falou sobre os desdobramentos da atuação da nova Secretaria nos meses que se seguiram.

Uma equipe da Pastoral Carcerária Nacional esteve no Ceará no mês de agosto para visitar os presídios, acompanhar os membros das equipes locais da PCr e conversar com especialistas. Foi possível observar de perto os efeitos dessa nova política, tanto nas pessoas presas como em seus familiares. 

As condições encontradas nas prisões visitadas são bastante graves: celas precárias, pequenas e sem ventiladores; ausência de colchões, o que faz com que os presos durmam no chão, até mesmo do banheiro; impedimento de ter objetos nas celas, como papel ou caneta, lençois ou até mesmo outras trocas de roupa; a existência de apenas um tanque de água, enchido uma ou duas vezes ao dia, cujo conteúdo deve ser dividido entre todos os presos da cela para fins de higiene pessoal, limpeza da cela e das roupas, descarga e, inclusive, para beber.

Em um dos locais visitados, a quantidade de água por dia era tão pouca que as presas faziam suas necessidades na “prateada” (embalagem) onde é servida a refeição, para não gastar a água com descarga e reservar um pouco beber. Uma descrição mais detalhada sobre as violações de direitos pode ser acessada por meio do Relatório de sistematização de denúncias de violações de direitos no sistema penitenciário do Ceará produzido por diversas organizações locais, entre as quais a Pastoral Carcerária do Ceará, Instituto Negra do Ceará – INEGRA, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – CEDECA CEARÁ e a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Ceará.

De dia ou noite, em todas as unidades prisionais visitadas, um dos elementos mais marcantes é a realização constante do “procedimento”: os presos são obrigados a ficar no chão, agachados, com a cabeça baixa e a mão na cabeça, enfileirados um atrás do outro, sem se movimentar ou olhar para o lado. A obrigação de se colocar em posição de “procedimento” ocorre sempre que há alguma movimentação na “vivência”: retirada de um preso da cela para atendimento, entrega das refeições e, inclusive, a realização de visita religiosa, como contou a assessoria jurídica da PCr em entrevista ao Brasil de Fato. Diversos foram os relatos de agressões sofridas em posição de “procedimento”, como é o caso dos dedos quebrados observados pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura em visita ao Ceará em abril de 2019. A prática de quebrar os dedos dos detentos foi defendida abertamente pelo atual responsável pela SAP, Mauro Albuquerque, quando atuava no Rio Grande do Norte.

Ademais, observou-se uma condição de extrema superlotação, em especial após o fechamento das cadeias públicas, o que fez com que presídios aumentassem gravemente o número de custodiados. Instituições do sistema de justiça relataram a dificuldade do atuação dos casos, vez que muitos presos foram transferidos, porém seus processos, que são físicos, ficaram na comarca de origem, de modo que eles estão sem acompanhamento. A equipe da PCr Nacional chegou a ver celas projetadas para dois presos, mas que estavam amontoando 18 ou 20 pessoas.  

As restrições vividas pelas pessoas presas são muitas. Nas unidades visitadas, é proibido falar ou cantar alto, o que significa que os presos não podem realizar um momento de oração, por exemplo. Observou-se também que o banho de sol costuma ser bastante restrito, com uma ou duas horas diárias. Em alguns casos, como celas ou vivências de enfermaria, seguro e castigo, o banho de sol sequer existe. A revista vexatória às pessoas presas é muito presente, acontecendo toda vez que a pessoa entra e sai da cela – no caso das mulheres, elas são revistadas mesmo se estiverem menstruadas. 

Nos locais visitados, o castigo está sempre presente. E é constante a afirmação de que “se um errar, todos pagam”. Uma presa relatou que não entrou no “procedimento” a tempo, então toda a “vivência” perdeu tempo do banho de sol, e os agentes fizeram questão de dizer a todas quem era a culpada. Além de se configurar enquanto uma prática ilegal, o castigo coletivo é um dispositivo de aumento dos conflitos entre as pessoas presas. Em um ambiente marcado pela angústia e pela tensão, como é o sistema prisional, a promoção intencional de desentendimentos entre pessoas da mesma cela ou vivência potencializa a ocorrência de tragédias.

A equipe da PCr Nacional acompanhou pessoas presas que sofreram punição por motivos como: ter dividido o misto que a família levou com um companheiro de cela; ter andado fora do pequeno espaço delimitado para circulação; não ter raspado o cabelo na exata medida exigida; não ter realizado o movimento do procedimento a tempo; ter rezado alto, etc.

O sofrimento também se estende aos familiares. As visitas ocorrem apenas de 15 em 15 dias, com muitas restrições à entrada – como a obrigatoriedade de usar uma vestimenta padrão  – e qualquer problema, como a transferência de cela, pavilhão ou castigo, individual ou coletivo, resultam no impedimento à entrada das famílias. O malote que as famílias entregam aos presos também está menor: agora, de comida só é possível levar quatro mistos, com exatamente uma fatia de presunto e uma de queijo, e uma maçã. Em relação à exigência de uniformização e demais humilhações sofridas por familiares, artigo na Ponte Jornalismo e no site da Pastoral Carcerária do Ceará fornecem maiores informações.

As dificuldades de cadastramento para visitas ocorrem tanto com as famílias quanto com entidades que prestam assistência religiosa, como é o caso da Pastoral Carcerária.

Todas essas práticas transformaram as prisões do Ceará em espaços de alto disciplinamento e militarização. E, na avaliação da Pastoral Carcerária Nacional, o estado está funcionando como espécie de laboratório desta forma de gestão das unidades prisionais, aos moldes da forma de atuação da Força Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), vinculada ao Depen. Não à toa, agentes penitenciários do Ceará foram deslocados para outros estados para “atuar na contenção da crise”.

Nessa página, você pode ler artigos e textos da Pastoral Carcerária e de outros veículos, além de relatórios de entidades e entrevistas em vídeos com especialistas, que auxiliam a compreensão da situação no estado do Ceará.

Textos, artigos e reportagens

Artigo | Quando a punição ultrapassa o preso e afeta as famílias

Tortura virou regra em prisões do Ceará, relatam organizações

OAB-CE divulga relatório de sistematização de denúncias de violações de direitos no sistema penitenciário do Ceará

Para órgão fiscalizador de prisões, há um ‘silêncio macabro’ no Ceará

A nordestinação da violência no Brasil?

Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e combate à Tortura sobre o sitema carcerário do Ceará

Agentes penitenciários do Ceará são enviados para apoiar força-tarefa no Pará

Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência

Pastoral Carcerária do Ceará – Editorial: o silêncio que vem de lá

Pastoral Carcerária do Ceará – Editorial: O Ceará e sua história de campos de concentração

Defensoria tem trabalho dificultado com transferência de presos

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Quando a punição ultrapassa o preso e afeta as famílias

 

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