A aplicação do monitoramento eletrônico de presos vem se ampliando ao longo dos últimos anos no Brasil. Dezoito estados da federação já utilizam o dispositivo. Mais de 20 mil pessoas no País são submetidas ao chamado controle telemático, por meio da fixação de tornozeleiras eletrônicas com localização georreferenciada via satélite. Estimativas do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) indicam que, no ano de 2018, cerca de 100 mil pessoas estarão submetidas ao sistema de rastreamento empregado pelo sistema penal.
A medida foi constitucionalmente autorizada em junho de 2010, por meio da Lei Federal 12.258, que alterou a Lei de Execução Penal, especificando que, em casos de saída temporária no regime semiaberto ou na determinação de prisão domiciliar, o juiz pode definir a “monitoração eletrônica” como modalidade de “fiscalização” da execução penal (146-B da Lei 7.210/84).
Menos de um ano depois, em maio de 2011, as possibilidades de aplicação do monitoramento se ampliaram com a aprovação da Lei Federal 12.403 – a chamada Nova Lei das Cautelares – que alterou o Art. 319 do Código de Processo Penal, prevendo a “monitoração eletrônica” como medida cautelar autônoma. Dessa maneira, o rastreamento de presos passou a ser aplicável também como medida processual, determinada antes da sentença condenatória.
De forma geral, os argumentos em favor do controle telemático de indivíduos condenados ou processados pela justiça criminal alegam a possibilidade de redução da calamitosa superpopulação carcerária do país. Afirma-se que a medida é capaz de favorecer um suposto processo de desencarceramento, podendo ser aplicada em substituição à prisão.
Paralelamente, verifica-se uma ênfase em discursos relacionados à redução de custos com o sistema penitenciário, convocando a participação do capital privado na gestão da pena. Em um dos projetos de lei que culminaram com a autorização do monitoramento, o PL 175/2007, destaca-se a economia de recursos e a possibilidade de universalização do rastreamento: “é preciso que criemos sistemas que não tenham os inconvenientes do cárcere, tais como a impossibilidade de expansão rápida e custo muito elevado”, afirma a justificativa do PL.
Acima de qualquer preocupação relacionada à insuportável situação em que se encontram as mais de 600 mil pessoas presas no Brasil, a crise carcerária tem sido apontada por legisladores e administradores públicos como um problema orçamentário.
Todavia, a ideia de que o monitoramento eletrônico possibilita a redução da população trancada nas unidades prisionais brasileiras deve ser desmascarada com um breve olhar para a evolução dos índices de encarceramento. Se em junho de 2009 – aproximadamente um ano antes de o controle telemático ter sido autorizado no Brasil – havia em torno de 248 presos por 100 mil habitantes no país, em junho de 2014 essa taxa chegou a mais de 299, conforme os números do DEPEN. Ao que os dados indicam, o monitoramento tem sido aplicado a pessoas que já se encontrariam fora do cárcere, em regime semiaberto ou domiciliar.
Os anos imediatamente posteriores à implantação da medida não apresentaram recuos nas tendências de aprisionamento, contrariando a argumentação daqueles que defendem o dispositivo como estratégia de desencarceramento.
O que se verifica atualmente com o avanço da implementação do controle eletrônico no país é um processo marcado por dois movimentos correlatos: por um lado, vivenciamos a expansão e a potencialização de controles punitivos extracárcere, que não implicam na substituição da prisão, mas, ao contrário,complementam-na. Por outro, observa-se o florescimento da indústria da punição, fomentando o crescimento do mercado da pena e estreitando a relação entre lucro e castigo.
Investidores dos ramos da segurança e do controle do crime encontram no sistema penal brasileiro a possibilidade de expansão de seus negócios em dimensões continentais. Consequência disso é a necessidade de ampliação do mercado consumidor da pena, como fator propulsor da economia. Cada indivíduo monitorado gera uma cifra rentável. Cada rastro gera um lucro e a punição é mensurada e avaliada em termos de produtividade.
A elaboração de novos controles punitivos vincula-se às atuais transformações das práticas penais, mobilizando parâmetros econômicos voltados à gestão da crise penitenciária e, com isso, à manutenção do regime do castigo. Cabe avaliar, portanto, a que estão servindo as atuais campanhas pela deflagração de medidas penais supostamente inovadoras – as chamadas alternativas penais –, instrumentalizadas pelos operadores da política criminal neoliberal em favor da intensificação de controles além-muros, sem, contudo, abdicar ao confinamento.
Ricardo Urquizas Campello,
Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP e doutorando do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP