Por Pedro Borges
Do Alma Preta
Entre os dias 28 e 29 de outubro, a Faculdade de Olinda, em Pernambuco, recebeu o II Encontro Nacional pelo Desencarceramento, evento que aproximou uma série de movimentos sociais a fim de discutir o tema e definir ações conjuntas para 2018.
O desfecho do encontro foi marcado pelo lançamento da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, documento composto por 10 pontos centrais para as ações em 2018.
Entre os eixos presentes no material, estão as seguintes propostas: Suspensão de qualquer verba voltada para a construção de novas unidades prisionais ou de internação; Exigência de redução massiva da população prisional e das violências produzidas pela prisão; Alterações legislativas para a máxima limitação da aplicação de prisões preventivas; Contra a criminalização do uso e do comércio de drogas; Redução máxima do sistema penal e retomada da autonomia comunitária para a resolução não-violenta de conflitos; Ampliação das Garantias da Lei de Execução Penal (LEP); Criação de mecanismos de controle popular do que ocorre dentro do cárcere; Proibição da privatização do sistema prisional; Prevenção e combate à tortura; e a desmilitarização das polícias e da sociedade.
As medidas são apresentadas no ano em que o Brasil passou a ser a terceira maior população carcerária no mundo, com 668,2 mil pessoas presas, sendo 37% provisórias. O Brasil só se encontra atrás dos Estados Unidos, com 2.217.000 de pessoas presas, e da China, com 1.657.812, nações que entre 2008 e 2014, de acordo com dados do ICPR (Centro Internacional para Estudos Prisionais, na sigla em inglês), diminuíram suas populações carcerárias em 4,5% e 3,9% respectivamente. O Brasil, por outro lado, no mesmo período, viu o número de encarcerados crescer 37,8%.
O destaque para o tema da política de drogas é explicado pela expansão do encarceramento desde a aprovação da Lei 11.343 em 2006, marco responsável por deixar a critério dos agentes de segurança pública definir quem é usuário e traficante de entorpecentes. Hoje, 28% dos presos estão atrás das grades por tráfico de drogas. Esse número chega a 68% nos presídios femininos.
O genocídio negro foi destacado como aspecto fundamental do encontro. Dina Alves, doutoranda em direito penal e autora da tese “Rés Negras, Judiciário Branco”, apontou para a necessidade de se compreender a centralidade do racismo nesse processo.
“Os dados já estão racializados, na medida em que mais se mata e prende negros. O desencarceramento está relacionado ao racismo estrutural, porque é o racismo quem vai fazer o policial matar o rapaz com a melanina mais acentuada. Existe um racismo por omissão por parte da esquerda, quando não racializa esse debate”, afirma.
Mais de 60% dos presos no Brasil são negros, dados que variam de acordo com as regiões do país. Em estados como o Acre e o Amapá, esses números passam dos 80%. Os dados são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).
Os participantes também se comprometeram em manter o contato afim de construir o III Encontro Nacional em 2018. A novidade para o ano que vem é o compromisso em articular etapas estaduais no primeiro semestre, e a proposta de fortalecer as lutas anti-punitivistas a nível local e estadual, privilegiando a participação dos familiares.
O Fórum Social Mundial, que ocorre em Salvador (BA), a Campanha da Fraternidade, e o Grito dxs Excluidxs, todas atividades marcadas para 2018, foram colocadas como alvos para o ano que vem, com o objetivo de pautar o desencarceramento e a desmilitarização no campo progressista.
A realidade dos jovens que cumprem as medidas sócio-educativas foi outro eixo de discussão e as organizações presentes concordaram em assinar uma carta contrária à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. O relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) está pronto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas só deve entrar em pauta em 2018.
Como forma de reunir todas as demandas, optou-se por trabalhar na articulação de uma Frente Feminista Negra Anti-encarceramento, a fim de superar as barreiras de raça, gênero, classe e sexualidade no cárcere e na sociedade.
De acordo com o Infopen Mulheres, de 2000 a 2014, cresceu 567% o encarceramento delas no país. A última pesquisa aponta para 38 mil mulheres presas, sendo que 68% delas são negras.
O encontro
Monique Cruz, integrante da Justiça Global, coordenou a cerimônia de abertura na manhã do dia 28 de outubro. Ela fez um relato sobre a trajetória da luta contra o cárcere no país, recordou a todas e todos o que aconteceu no I Encontro Nacional pelo Desencarceramento, e apresentou os desafios a serem superados no tempo presente.
Ainda no período da manhã, abriu-se para as falas daqueles presentes no encontro. Com uma participação marcante de familiares de presos e vítimas da violência policial, bem como ex-detentos, as colocações demonstraram a seletividade racial, a falta de infraestrutura e a crueldade do sistema prisional brasileiro.
Um dos relatos, feito por Vera Lucia dos Santos, integrante do movimento Mães de Maio, concretiza essa realidade. A filha, grávida de 9 meses, e o marido da jovem foram assassinados por agentes de segurança do Estado.
Após o crime, Vera Lucia passou a lutar pela investigação do caso e a responsabilização dos agentes de segurança que efetuaram a ação.Como forma de represália, os policiais invadiram a sua casa e a acusaram de tráfico de drogas. Vera Lucia ficou presa por três anos.
Pedro Leite, jovem negro morador de Olinda-PE, contou que foi acusado pelo assassinato de dois policiais. Depois de encontrado pelos agentes de segurança, Pedro foi torturado por 3h para assinar o termo de culpa. Como não assinou, os policiais implantaram cocaína e maconha para criminalizá-lo.
O jovem primeiro foi liberado na audiência de custódia, por não ter antecedentes criminais, mas na 3° Vara Criminal de Olinda, a juíza discordou da ação e expediu o mandato de prisão. Pedro Leite passou 18 dias preso e só foi libertado por um pedido de Habeas Corpus. O jovem ainda responde pelo processo.
À tarde, foram construídos três Grupos de Trabalho (GTs) para discutir o desencarceramento e propor ações concretas. As resoluções foram lidas ao final dos diálogos e compõem as deliberações do encontro.
Para encerrar as atividades, o grupo de atrizes do Coletivo Madalena-Anastácia, de Olinda, apresentaram uma peça de teatro que retrata as dificuldades encontradas pelas pessoas com passagem pelo sistema penitenciário, em especial as mulheres negras, para procurarem emprego. Os estigmas, somados ao racismo e ao machismo, se transformam em barreiras concretas para a ressocialização desses sujeitos.
A manhã do dia 29, domingo, começou com a apresentação do grupo Adelinas, com a encenação de Dina Alves, em parceria da poeta Lilian Araújo. A peça abordou a posição da mulher negra e a desigualdade social no país.
O encerramento ficou com Monique Cruz, que leu os encaminhamentos do encontro e as propostas de ação para 2018. A integrante da Justiça Global fez uma avaliação positiva do evento.
“Tinham muitos familiares, muitas mães, muitos movimentos organizados nessa luta. A gente conseguiu aumentar o número de participantes do ano passado para cá. A minha avaliação é das melhores, por conta de um direcionamento da luta contra o desencarceramento, que vai ser dada pelas mulheres, principalmente as negras, que se reconhecem por meio dos processos genocidas do Estado”, afirma.