Em novembro de 2013, em audiência pública com o Governo Federal impulsionada pelo movimento Mães de Maio, a Pastoral Carcerária Nacional e diversos outros parceiros da luta anticárcere apresentaram uma agenda para o sistema prisional, cuja proposta central apontava para a exigência de um programa de desencarceramento que estabelecesse metas claras para a redução imediata e drástica da população prisional.
Em 2016, este documento foi repensado e reduzido, surgindo os 10 pontos da Agenda, que mantém o objetivo de reduzir a população prisional, incidindo nas três esferas do Poder (Judiciário, Legislativo e Executivo).
De lá pra cá ocorreram cinco encontros nacionais da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, sediados em São Paulo (SP), Olinda (PE), Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE) e Mateus Leme (MG), com a presença de pessoas que contribuíram e contribuem para o fortalecimento da luta por um mundo sem cárceres.
O que antes era um documento com o tempo foi se tornando um movimento social autônomo e horizontal, protagonizado por familiares de pessoas em privação de liberdade e sobreviventes dos sistemas prisional e socioeducativo: “nada sobre nós sem nós”, é o grito que ecoa.
Nos dias 21 a 24 de abril de 2022, em Minas Gerais, chegando ao V Encontro, nos deparamos com cerca de 200 pessoas dos mais variados setores da luta anticárcere: membros de Mecanismos Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura, representantes de movimentos sociais que lutam pelo fim das polícias, agentes pastorais de múltiplas localidades, representantes da sociedade civil que se engajam nesta luta, entre outros.
A potência estava, sobretudo, na presença massiva de familiares, em sua maioria mulheres, e de sobreviventes – sendo o encontro com a maior participação destes atores da luta anticárcere, a reunião tinha o intuito de ser um espaço seguro e acolhedor para estas pessoas que são todos os dias humilhadas nas portas das cadeias e torturadas dentro das celas.
A Pastoral Carcerária Nacional continua atuando e somando nesta luta da Agenda Nacional por um mundo sem cárceres, observando esse processo se tornar um movimento autônomo com capilaridade tamanha – estavam presentes no encontro representantes de 24 estados e do Distrito Federal.
Como foi dito no encontro, esta luta é feita de e por pessoas que se importam. A Pastoral Carcerária se importa e tem como missão o mundo sem cárceres e, com a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, vamos em frente!
Confira abaixo as impressões de alguns agentes da Pastoral e familiares de pessoas presas que estiveram no V Encontro:
Pe. Joaquim, Pastoral Carcerária de Tefé (AM):
“O V Encontro a nível nacional da Agenda pelo Desencarceramento, que aconteceu nos dias 21 a 24 de abril em Minas Gerais, na cidade de Mateus Leme, foi muito proveitoso, muito positivo, até pelo fato de ter reunido agora 25 estados, ficando apenas Alagoas e Roraima por situações que foram bem justificadas.
Mas esse encontro com a presença de familiares de pessoas encarceradas; com o pessoal que saiu do sistema; com pessoas que ainda estão no sistema, mas que estão em regime que puderam participar por um tempo também; com todos os assessores; pessoas que estão empenhadas por total abraçando essa ideia de lutarmos e tentarmos cada vez mais ganhar corpo nessa questão do desencarceramento, fortaleceu demais essa partilha que nós tivemos pra um lado muito mais positivo.
Nós sabemos que é meio difícil, porém, diante dos depoimentos com pessoas que vem do tempo do Carandiru, de pessoas que estão nas periferias de todas cidades, a partilha foi rica e muito mais: foi o incentivo que cada pessoa dessa colocou para nós tomarmos ciência de que vale a pena lutar para não enchermos os presídios.
Então tivemos uma sequência de conteúdos, de partilhas, de apresentações, de exposições, que favoreceu exatamente isso. Agradecemos demais a Pastoral Carcerária em nível nacional, na pessoa da nossa Irmã Petra e de todas as que assessoram a ela e esperamos que possamos ter um outro encontro em breve, de maneira mais positiva.”
Célia Pérola, Frente Estadual pelo Desencarceramento do Piauí (PI):
“Sendo pela primeira vez a minha participação no Encontro Nacional da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, considerei importante a partir do momento em que tive a oportunidade de conhecer pessoas de outras frentes, suas experiências, vivências, as trocas de informações entre um estado e outro, como se dá o cotidiano analisando e avaliando as lutas, que são bem parecidas.
Até nas conversas e trocas a gente consegue perceber que tem estados com situações bem mais revoltantes, de indignar, bem mais conflitante, mais cheio de violações do que outros. Mas, no final das contas, as violações são as mesmas. E assim, foram momentos de debates, de propostas de trabalho sugeridas, e fiquei com impressão de fortalecimento da Agenda e das Frentes, uma impressão de encaminhamento e de ações bastante fortes para que a luta no dia a dia se fortaleça e melhore. Para conseguir também nessas experiências fazer ações com o que a gente absorveu de outros, para que a gente tenha respostas das nossas lutas nos estados. É uma impressão [do Encontro] muito forte, de tomada de decisões para nossas ações.”
Miriam Duarte Pereira, AMPARAR e Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo (SP):
“A importância da existência da agenda nacional pelo desencarceramento. ‘Precisamos de fazer algo?’ Vamos construir algo para fortalecer o tema desencarceramento.
Pensar na Agenda Nacional pelo Desencarceramento é pensar em esperança para a população carcerária e pensar de verdade que essas vidas importam e para além disso tem que se fazer algo nacional. Então, em 2013 se constrói um documento que começa a dialogar com o território brasileiro.
2016 nasce o primeiro encontro e a proximidade com os movimentos sociais trouxe uma articulação coletiva para renovação de novas estratégias de luta. A partir do primeiro encontro, os seguintes foram acontecendo e cada vez mais os encontros tendo maior adesão.
O interessante é que os movimentos estaduais sempre nascem de mulheres que tem parentes presos ou pessoas que se interessam pelo tema e com isso constroem-se redes locais, comunitárias, de empatia e de afeto para conseguirem lidar com todas as dores que o cárcere oferta, diante disso, a Agenda vem se fortalecendo e as articulações se consolidando-se em seus territórios.”
Ana Lúcia, Coordenadora diocesana da PCR de Belo Horizonte:
“O encontro foi muito valioso, porque estiveram representados mais de 25 estados do Brasil, uma participação de mais de 200 pessoas, e principalmente familiares de pessoas privadas de liberdade e sobreviventes do cárcere.
O apoio da Pastoral Carcerária a este evento, fazendo parte da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, foi de suma importância. É preciso dar voz aos sobreviventes, aos familiares. A Pastoral Carcerária, como uma pastoral de escuta, deve ser o facilitador da fala dessas pessoas.
Vejo como muito importante esse encontro, as pautas discutidas, os encaminhamentos necessários, se fazem muito importante nessa nossa missão por um mundo sem cárcere.”