Em um domingo marcado pela emoção e pelo forte apelo à conversão das estruturas penais, a Basílica de São Pedro tornou-se, neste 14 de dezembro, a “catedral dos esquecidos e esquecidas”. Durante a celebração do Jubileu dedicado às pessoas privadas de liberdade — momento ápice do Ano Santo de 2025 para o mundo prisional —, o Papa Leão XIV presidiu a Eucaristia em homenagem aos milhões de encarcerados, sobreviventes do sistema prisional, familiares e agentes pastorais de diversos continentes.
No meio da assembleia, levando consigo o clamor de quase um milhão de pessoas encarceradas do Brasil, estava a Irmã Petra S. Pfaller, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária do Brasil. A presença da religiosa em Roma não foi apenas representativa, mas um ato de comunhão profunda entre as “periferias existenciais” do sistema prisional brasileiro e o coração da Igreja.
“Que ninguém se perca”: A Homilia do Papa
O Santo Padre, seguindo os passos de seus antecessores na defesa da dignidade humana, proferiu uma homilia que tocou nas feridas abertas do sistema penal global. O Papa Leão XIV reforçou que o Jubileu é o tempo oportuno para a revisão de penas, mas, acima de tudo, para uma mudança de mentalidade.
“A justiça que apenas pune e não restaura não é justiça, é vingança disfarçada. O Senhor nos pede hoje: que ninguém se perca. Cada pessoa atrás das grades é um universo sagrado, amado por Deus, e a sociedade não pode lavar as mãos diante do sofrimento que ela mesma gera. As portas da misericórdia devem ser mais fortes que as portas de ferro,” exortou o Pontífice.
A Voz da Pastoral Brasileira no Vaticano
A participação da Pastoral Carcerária do Brasil (PCr) ganhou destaque pela combatividade e pela defesa intransigente da vida. Em entrevista concedida aos meios de comunicação do Vaticano, a Irmã Petra S. Pfaller destacou que a missão no Brasil vai além da assistência religiosa; é uma luta diária contra a tortura, maus tratos e o esquecimento.
“Estar aqui, presencialmente, aos pés de Pedro, é trazer a visibilidade que nossos irmãos e irmãs presos não têm. O Brasil encarcera muito e encarcera mal. O Papa nos confirma na missão de sermos profetas da denúncia contra a violência institucional e profetas do anúncio de que um mundo sem cárceres é possível,” afirmou a coordenadora.
A Pastoral Carcerária Brasileira é reconhecida internacionalmente por sua metodologia de “escuta e presença”, onde as centenas de agentes da pastoral carcerária não vão ao cárcere julgar, mas para encontrar o Cristo sofredor na pessoa presa, por meio da evangelização e promoção da dignidade humana.

Conquistas e Lutas: O Fim da Revista Vexatória
A celebração deste Jubileu coroa um ano de intenso trabalho e de vitórias históricas para a dignidade humana no Brasil. A Pastoral Carcerária celebra, em comunhão com o Papa, os frutos de anos de advocacy e pressão social.
O destaque deste ciclo foi a consolidação do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade da revista íntima vexatória. Durante anos, mães, esposas e filhas de pessoas presas foram submetidas a procedimentos degradantes para poderem visitar seus familiares. A Pastoral Carcerária, atuando como Amicus Curiae e dando voz às famílias, foi fundamental junto a uma rede de parceiros para essa conquista.
Esta vitória jurídica reflete o que o Papa solicitou no Jubileu: humanizar as relações. Garantir que a pena não ultrapasse a pessoa do condenado, atingindo sua família, é um passo essencial para a justiça restaurativa que a Igreja defende.
O Trabalho da Pastoral: Fé e Cidadania
A atuação da Pastoral Carcerária no Brasil é ampla e desafiadora. Presente em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, a Pastoral organiza-se em frentes que buscam atender à complexidade da vida no cárcere:
- Questão da Mulher Presa: Um olhar específico para as dores da maternidade e do abandono no cárcere feminino.
- Saúde e Combate à Tortura: Monitoramento constante das condições insalubres e denúncias de violações de direitos.
- Justiça Restaurativa: Promoção de círculos de diálogo e construção de paz, buscando alternativas ao encarceramento em massa.
Um Chamado Vocacional: Venha ser Igreja no Cárcere
O Jubileu de 2025 nos leva de volta à reflexão sobre a frase que guia a atuação da Pastoral Carcerária: “Estive preso e vieste me visitar” (Mt 25, 36).
A grandiosidade da celebração no Vaticano precisa ecoar nas nossas paróquias e comunidades. A Pastoral Carcerária necessita de novos agentes dispostos a cruzar as muralhas do preconceito. O trabalho é árduo, mas é onde o Evangelho se faz carne viva.
Neste Ano Santo, inspirados pelas palavras do Papa Leão XIV e pelo testemunho da Irmã Petra, renovemos nosso compromisso: que nenhuma vida seja esquecida.