No Brasil e no mundo os eventos climáticos e seus efeitos, como as grandes secas, chuvas torrenciais, ciclones e ondas de calor, ocorrem com cada vez mais frequência. Com esta preocupação foi que o Papa Francisco, já em 2015, alertava e chamava todo o mundo para contribuir no Cuidado com a Casa Comum, ao escrever a Carta Encíclica Laudato Si. Neste momento em que no Brasil, de um lado caem as chuvas torrenciais, deixando vítimas humanas e estragos intermináveis, do outro lado uma seca histórica assola a região.
E no mundo os tufões e ciclones acontecem com força e violência, devastando cidades inteiras, como em 2019 o ciclone Idai, que devastou a cidade da Beira em Moçambique, continente africano. Logo, é o continente africano que sente os efeitos deste descaso ecológico e destruição dos ecossistemas com maior drasticidade, tendo em vistas os meios precários que a grande porção do povo vive, seja com a veemência da seca onde a plantação é destruída, seja pelas águas disformes que destroem com a mesma força o que viria a ser alimento. Mesmo não sendo estes os povos que são os causadores de tanta destruição da ecologia. Nestas situações de perigo iminente, como ficam as pessoas nos cárceres nestas regiões?
Quais os efeitos ao Cárcere o cuidado ou não da Ecologia?
De acordo com a Agência Brasil, segundo os dados divulgados através do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em julho de 2023, a população carcerária no Brasil é 68,2% de pessoas negras, sua cor historicamente mostra o lugar que lhes cabe na sociedade.
Onde moram, como é a geografia dos lugares que ocupam? É nos morros, os entornos e as periferias das grandes cidades o lugar que coube às pessoas negras após a suposta libertação dos escravos.
Foram jogados como uma coisa que se tornou inútil, sem direitos, sem acesso a qualquer mínimo de subsistência. Esta anulação e aniquilamento direto do Estado segue vigente em nossos dias, quando este ente envia o aparato estatal que fomenta o extermínio da juventude negra através da legitimação da letalidade policial, mostra a luz do dia a perseguição às pessoas pretas e a gana pelo branqueamento da sociedade brasileira, uma vez que a polícia difere suas ações quando invade um morro e quando vai fazer qualquer abordagem onde moram as pessoas brancas e de classe média-alta.
Tendo uma liberdade que não lhes possibilita outro lugar, para tentar viver que ocupar os morros, é lá que os desmoronamentos de terra sobre as casas, das próprias casas, colocam a vida da população em alto risco.
Nestes lugares tão vulneráveis são os primeiros atingidos pelos desastres, quando caem as chuvas torrenciais e ventanias, tendo em vistas os meios precários como foi se construindo as casas com materiais frágeis. São nestes espaços onde o Estado nega-lhes direitos mínimos, em que os jovens precisam muito cedo ir em busca de algum serviço para ajudar em casa para a família sobreviver, e nisso acabam abandonando a escola.
O trabalho lhes é negado, tendo em vista a sua cor, o pouco estudo, este é um dos traços de como o racismo se maquia. Sobra-lhes o mundo da criminalidade e das drogas, que para muitas pessoas é um modo de sobreviver, e neste contexto acabam no cárcere, crucialmente se são pretos e periféricos.
Dom Vicente Ferreira, na IV Romaria de Brumadinho falou em sua Homilia, que: “Leis que não servem para mais nada ou que matam pela rigidez. Que precisam ser superadas, na acolhida da graça divina em nossos tempos. […] é que andamos encharcados por um sistema global que está matando a vida em nome do capital” (26.01.2023).
A negligência do Estado, quando viabiliza as ações do grande capital no uso dos bens da terra como apropriação única de seus interesses, matando toda forma de vida na voracidade que lhe é própria, atinge toda a humanidade, o planeta sente os efeitos.
Se as ondas de frio e calor atingem tantos lugares no mundo, o que pensar de como vivem, o que passam as pessoas amontoadas nas celas dos cárceres. E pasmem, do mesmo modo como os povos mais atingidos pelos efeitos da ecologia ferida não foram os causadores disso, assim a população encarcerada sofre duplamente, uma vez que o sistema lhes arranca os sonhos, quando lhes impossibilita qualquer acesso à educação e alimentação básica e de qualidade, lhes arranca de modo perverso a natureza no seu ambiente, cabendo-lhes estes fétidos espaços.
Para pensar o cuidado com a ecologia integral é preciso pensar diversos fatores, entre eles o modelo econômico que mercantiliza os recursos naturais como se fossem renováveis e inesgotáveis, a mais valia, o trabalho escravagista e a invalidação de um grande número da classe trabalhadora, jogando-os na criminalidade.
É necessária e urgente uma consciência de sociedade para o consumo, indo na contramão da ditadura midiática que determina nossas vestes e nossos sonhos, a moda, as tecnologias que a cada dia criam uma nova necessidade, determinam nossa alimentação e induz ao consumo dos processados, plastificados e enlatados, que além de adoecer as pessoas produz toneladas de lixo.
Reverter a violenta ação do agronegócio através do uso dos agrotóxicos no campo, que polui o ar, mata os rios e as matas, os bichos e as gentes, pela agroecologia que produz comida de verdade e saudável, sua produção contempla o cuidado com os ecossistemas.
É neste contexto que a saúde no cárcere envolve a dimensão da ecologia integral e está interligada à segurança alimentar, diante de um cardápio alimentar distribuído nos Cárceres que não é uma comida nutritiva saudável, além de não levar em conta situações de necessidade em vista da saúde dos presos e presas, mas os adoece.
Diante desta realidade, para deter e reverter a crise ambiental, e contemplar a todas as pessoas estejam onde estiverem, o direito de acesso à segurança alimentar é necessário e exige a cooperação de toda sociedade, da humanidade.
Se faz urgente a redistribuição da riqueza, detida nas mãos de tão poucos para todas as pessoas, são estes os mais ricos os predadores do meio ambiente, os grandes emissores na produção dos gases poluentes, condenando a sorte das intempéries os povos.
Logo, será também com a contribuição de povos tradicionais e de todas as gentes, que através de ações cotidianas de cuidado, a reciclagem dos resíduos e o não descarte dos materiais nos esgotos, o plantio de árvores, o cuidado com os rios.
Suas lutas pela construção de Políticas públicas que garantam o acesso a comida de verdade e fomentem o plantio no método agroecológico e revitalização das nascentes, as hortas urbanas, a agricultura familiar e o plantio variado de alimentos, e não a produção em grande escala.
Todos precisam cooperar para que a vida possa seguir na terra, para garantir que o ecossistema consiga se restituir.
É nesta urgência que recentemente o Papa Francisco escreve uma outra Carta, a Laudato Deum, na qual clama ao mundo para que deem atenção aos gritos da natureza, da mãe terra, diretamente aos grandes e poderosos que detém o poder de mudar esta situação, para que as catástrofes não mais naturais, mas causadas pela destruição das florestas e todo o meio ambiente, que faz com que a terra e os mais pobres sejam os mais atingidos. E que este cenário caótico se reverta, enquanto houver tempo.
*:Zenir Gelsleichter é assessora de saúde da Pastoral Carcerária Nacional