Por Maria Teresa Cruz
Da Ponte
Tudo começou com uma carta que chegou à Pastoral Carceraria no dia 6 de novembro de 2016. O pedido de ajuda partiu das reeducandas da Cadeia Feminina de Boa Vista.
“Essa semana seis agentes homens entraram no sistema em um bacu, pediu que todas nós fôssemos para a quadra de calcinha e sutiã e xingaram as presas de burra, filha da puta, ridículas, presa fudida. E separou nove mulheres para começar as torturas com elas com cabo de vassoura e spray de pimenta”, diz o relato. Na carta, as reeducandas contam que, antes de ir embora, os agentes ameaçaram atirar no rosto de uma agente penitenciária mulher e jogar a culpa nelas.
A Pastoral Carcerária Nacional oficiou à procuradora-geral de Justiça do Estado, Elba Christine Amarante de Moraes, o defensor público geral, Carlos Fabrício Ortmeier Ratachesk e o presidente do tribunal de Justiça de Roraima, desembargador Almiro José Mello Padilha.
No documento, a entidade pede como medida a realização de inspeção na unidade prisional, com “entrevistas reservadas com as presas e com a devida identificação das mulheres que teriam sofrido as agressões físicas para solicitação de exame de corpo de delito, e adoção das medidas pertinentes para a cessação das violações verificadas”.
Sem resposta do MP, em março do ano passado, a entidade informou o ocorrido à Corregedoria Geral do MP de Roraima e, mais uma vez, um silêncio se fez. O promotor Carlos Paixão de Oliveira desconsiderou os relatos de tortura por “não sentir consistência nas denúncias”. O assunto chegou ao Conselho Nacional do MP que acabou chancelando o arquivamento do caso, no dia 1º de fevereiro deste ano, mas questionou a atuação de Oliveira.
A decisão destaca que, apesar de entrevistas com as reeducandas e outras evidências de casos anteriores, o promotor deixou de cumprir alguns protocolos e a resolução nº 31 do órgão, que pede que os membros observem as normas previstas no “protocolo de Istambul, da Organização das Nações Unidas e o protocolo Brasileiro de Perícia Forense em casos de crimes de tortura”.
“Nem a periculosidade do detido ou condenado, nem a insegurança do estabelecimento carcerário ou penitenciário podem justificar tortura”, escreve Dermeval Farias Gomes Filho, conselheiro presidente da Comissão do Sistema Prisional do CNMP.
A promotoria de Execução Penal de Boa Vista alegou que não abriu procedimento administrativo para apurar internamente as denúncias apresentadas por “falta de recursos e materiais”.
De acordo com o assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional, Paulo Malvezi, a situação retratada não é única. “As condições em Roraima são péssimas. Atualmente, a pastoral tem acompanhado três casos em unidades de lá. A grande questão é que as denúncias acabam invisibilizadas. É um outro Brasil”, afirma. “Temos um protocolo muito rígido. A gente acredita que não temos que fazer investigação. Temos que cobrar. Nesse caso, mandamos para a defensoria, MP e judiciário. Se não tem resposta mandamos para a corregedoria local e assim vai, até que chegou a Brasília”, explica.
Outro lado
A reportagem da Ponte procurou o Ministério Público Estadual de Roraima por meio de um formulário da assessoria de imprensa do órgão no site oficial questionando a decisão do promotor Carlos Paixão de Oliveira, mas, até o fechamento da reportagem, não obteve resposta.