Universitária dos Estados Unidos desenvolve tese sobre Massacre do Carandiru

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0603 Superior_Interna_Lilian_CarandiruO Massacre do Carandiru, em 2 de outubro de 1992, quando 111 presos foram mortos pela Polícia Militar de São Paulo, foi o tema da tese de Lilian Mehler, estudante de Ciências Políticas na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Norte-americana, Lilian passou os primeiros anos de vida no Brasil e ao participar em um programa de intercâmbio da Universidade Federal de Santa Catarina, optou por escrever a tese sobre o Massacre. Entre outras fontes de consulta, Lilian procurou a Pastoral Carcerária, e obteve o áudio de uma entrevista do padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da PCr, analisando o julgamento do episódio ocorrido em 1992, na qual também comentou sobre a situação carcerária no país e a importância da Justiça Restaurativa.
À Pastoral Carcerária, Lilian escreveu um relato sobre as impressões que teve ao desenvolver a tese “Direitos Humanos no Brasil: Massacre do Carandiru” (Human Rights in Brazil: Carandiru Massacre), cuja íntegra, em inglês, pode ser acessada abaixo.
LEIA A ÍNTEGRA DA TESE
 
Impressões da universitária após desenvolvimento da tese
Eu sou aluna do curso de Ciências Políticas na Universidade da Califórnia, em Riverside, e me encontro no Brasil fazendo um intercâmbio para contato e aprendizado de usos e costumes brasileiros nos vários setores de atividade. Embora americana, vivi meus primeiros dez anos aqui no Brasil. Isso me deu um razoável conhecimento do idioma, mas, pela tenra idade, não tive, naquele período, condições de assimilar, com maior intensidade, os problemas sociais do país.
0603 Inferior_Interna_Lilian_MehlerQuando meu semestre de intercâmbio começou, meu diretor sabia o quanto me interessava colocar o foco de intercâmbio no direito internacional e nos direitos humanos, dois assuntos que, nos Estados Unidos, instigam o imaginário dos estudantes da área política, mas que chegam até nós com distorções provocadas pela distância e, não raras vezes, com uma falta de sintonia com a raiz dos acontecimentos.
Foi então que, sugerido pelo mestre, e aceito por mim, escolhi o desenvolvimento de uma tese sobre o que ficou designado como o Massacre do Carandiru, que chama à atenção e clama aos céus, primeiro pelo grande número de vítimas, 111; segundo, porque as vítimas eram todos presidiários, sem condições de reação, e os promotores do morticínio eram todos agentes do Estado, armados por esse mesmo Estado, e com a missão de colocar ordem dentro do sistema. Estavam ali para promover o restabelecimento da paz, mas não a paz dos cemitérios.
O Massacre foi uma ocorrência muito polêmica, que agitou a opinião pública e que, por triste coincidência, volta justamente agora ao noticiário dos jornais com a exposição pública, devido ao início de mais uma fase de julgamentos dos envolvidos, um julgamento complicado pela dificuldade de se individualizar as culpas, num ato que foi coletivo e aleatório, quando os agentes da lei escaparam ao controle de seu próprio comandante e, por um momento, deixaram de lado as táticas que a academia e a disciplina militar ensinaram como corretas para conter rebeliões, ultrapassando os limites permissíveis de ação do Estado em tais circunstâncias.
Dizem que a verdade tem duas faces, mas aqui, neste trágico episódio, existem várias facetas a serem analisadas. O meu trabalho foi pesquisar todos os lados, e mostrar o quanto as leis de Direitos Humanos afetam a vida de um cidadão, o quanto essas leis deixam a desejar, e quanto são imprecisas, quando fogem à rotina dos acontecimentos e à previsibilidade de atos e fatos.
Em outros países, o Massacre não teve tanta evidência como no Brasil, calejados que estão os observadores com a violência que se espalha pelo mundo. O planejamento do ato, e as razões que motivaram a entrada da tropa de choque Casa de Detenção, no fatídico no dia 2 de outubro de 1992, foram fatos omitidos quando a noticia ganhou evidencia internacional. Além disso, a comunidade internacional assimila as notícias observando o contexto do país ou da comunidade em que elas se inserem. A maneira convencional pela qual a policia trata os prisioneiros no Brasil, bem como um sistema prisional alheio a direitos elementares dos que estão privados de liberdade é realmente chocante e o Massacre foi um fator que passou da conta, mas que não chegou a surpreender o observador externo, que já tem conhecimento cotidiano de desrespeito a direitos elementares de presidiários.
É desanimador saber que as casas de detenção no Brasil se encontrem nas condições que estão, com uma superlotação muito além do aceitável e com precária situação de higiene, além da insegurança pessoal de prisioneiros. Por mais que um criminoso deva ser punido, isso deve ser feito dentro da lei e no respeito à dignidade individual, uma conquista que a nenhum ser humano pode ser subtraída, sob a pena de o Estado se nivelar ao criminoso, ou, pior que isso, ultrapassá-lo nos requintes de crueldade.
A ninguém, e menos ainda ao Estado, é dado o direito de retirar de um indivíduo seu direito a ser tratado com dignidade e humanidade e esse é um dos principais motivos da minha tese. Os Direitos Humanos são direitos inalienáveis a qualquer ser humano, não importa quem sejam ou o que fizeram, e um dos principais direitos é o de viver com dignidade e com perspectivas de recuperação, o que, mesmo aos olhos de um estrangeiro, salta aos olhos que não está acontecendo o sistema prisional.
As condições nas cadeias brasileiras exigem mudanças. Nem transformar um presídio em um sistema hoteleiro, nem tampouco transformá-lo em uma masmorra digna do pensamento e das práticas medievais. O Massacre do Carandiru aconteceu porque havia, de um lado e do outro, toda uma infraestrutura voltada para a violência e ainda não se mediu as consequências que, a médio e longo prazo, o episódio trouxe para a população. Arrisca-se dizer que acontecimentos como esses, que violentam os direitos elementares de presidiários acabam refletindo do lado de fora dos presídios, tornando mais violentos os crimes e os criminosos a ponto de tornar quase impossível a vida em comunidade. É a visão que levo do sistema prisional brasileiro, com a esperança de que um tratamento mais igualitário e compatível com os direitos intrínsecos do ser humano possam se refletir na vida cotidiana das pessoas, hoje afligidas pela violência que passa pelas ruas e invade o mais sagrado de seus recônditos, o próprio lar.

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