Ao jornal da Arquidiocese de SP, padre Valdir analisa julgamento do Carandiru

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Em entrevista ao jornal O SÃO PAULO, semanário da Arquidiocese de São Paulo, publicada em 30 de abril, padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, comentou julgamento do Massacre do Carandiru, fez críticas ao sistema penal no país e alertou para as consequências da política de encarceramento em massa. Abaixo a íntegra da reportagem.
Pastoral Carcerária comenta julgamento do Carandiru
Passados 20 anos do Massacre do Carandiru, quando 111 detentos foram mortos em ação da Polícia Militar na casa de detenção, em 2 de outubro de 1992, a Justiça concluiu, em 21 de abril, o primeiro dos quatro júris sobre o caso, no qual 23 dos 26 policiais acusados da morte de 13 presos foram condenados, cada um, a 156 anos de prisão, mas recorrerão à sentença em liberdade.
Ainda este ano, devem acontecer mais três júris com outros 53 policiais no banco dos réus. No último dia 22, a Pastoral Carcerária nacional divulgou nota em que enalteceu a responsabilização criminal dos policiais envolvidos no episódio, mas ponderou ser necessário responsabilizar também os mentores de ação. Além disso, condenou a política de encarceramento em massa, citando que a população carcerária no país saltou de 90 mil presos, em 1992, para 550 mil, em 2012, e afirmou ter convicção de que a prisão dos policiais não é o melhor desfecho para o caso.
Em entrevista ao O SÃO PAULO, padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, critica o sistema penal brasileiro, propõe alternativas à prisão, e alerta que, com o atual ritmo de encarceramento, “haverá a quebra do Estado”.
O SÃO PAULO – Na nota pública de 22 de abril, a Pastoral Carcerária apontou que apenas o julgamento dos policiais não levará à plena responsabilização dos culpados pelo Massacre do Carandiru. O julgamento do caso está sendo falho?
Padre Valdir João Silveira – Não, não é falho, ele obedece ao sistema que há no judiciário, que é de punir o mais fraco. Nesse conflito do Massacre do Carandiru, quem está sendo punido? Primeiro, com a morte, os presos. Segundo, se quer mostrar para a sociedade que há justiça, punindo os mais frágeis do sistema de Justiça, que são os policiais que entraram na detenção para atirar, mas sendo mandados, obedecendo a ordens, treinados para executar. Quem deu a ordem, quem criou o sistema prisional e penal, está fora do julgamento. Os policiais mataram? Mataram. Cometeram massacre? Cometeram. O melhor seria afastar do cargo essas pessoas para que não exerçam função na Polícia Militar, mas o que nós temos visto é que muitos envolvidos no massacre foram até promovidos. Seria preciso julgar todo o sistema que matou e toda a conjuntura política da época. Um segundo ponto é avaliar porque que esses massacres continuam, pois a mesma polícia que matou naquela época mata hoje nas periferias. Enquanto não se atingir a causa, não se discutir essa política, vai continuar acontecendo o mesmo tipo de massacre. Esse julgamento, essa condenação, não muda em nada a rotina dos policiais que continuam executando as pessoas.
O SÃO PAULO – Mas haveria outro modelo para o julgamento? Outra forma para responsabilizar os envolvidos, que não prendê-los?
Padre Valdir – O modelo que promove o julgamento é que está errado. Cumpre-se a lei, mas age-se de uma forma criminosa, pois, por exemplo, joga-se a pessoa condenada para um sistema prisional em que a Lei de Execução Penal é totalmente descumprida, mandando-o para um local onde o Estado não respeita direitos. Não basta responsabilizar os policiais, temos que responsabilizar quem criou essas pessoas para fazer isso, responsabilizar, primeiro, esse sistema penal que é criminoso, violento, que separa as pessoas e pune as mais fracas. Para quem cometeu o crime, o que poderia ser feito é uma forma de reabilitação, com trabalhos comunitários junto às famílias que foram atingidas pela violência.
O SÃO PAULO – Em algum país essa medida de reabilitação tem dado certo?
Padre Valdir – Sim. Enquanto nos Estados Unidos, a reincidência de presos que retornam aos presídios é de 60%, em países que adotam o sistema penal da reabilitação, como a Suécia e a Noruega, essa reincidência é, em média, de 16%. Canadá, Áustria e o continente africano também estão saindo de uma política punitiva para uma forma de reabilitação, a Justiça restaurativa, que não é só reabilitar o agressor, mas de restaurar o que a pessoa causou. É algo diferente de hoje, em que o sistema penal trata como crime algo individual. Na Justiça Restaurativa, todo crime é social, tem causa, uma instituição por trás do ato. Uma prática bem concreta, se quisermos pensar na reabilitação dos policiais, seria ter cursos com enfoques humanos, pois hoje a Polícia Militar é formada para punir, para a vingança, para atirar. Essa polícia não serve. Serviria mais uma polícia comunitária, que conhece a comunidade, os problemas, que visita as escolas, fala com as famílias, está presente para evitar os crimes locais.
O SÃO PAULO – Na nota, a Pastoral também critica o encarceramento em massa no país. Que consequências a manutenção dessa política carcerária pode causar?
Padre Valdir – No ritmo que vai o encarceramento em massa no Brasil, haverá a quebra do Estado. O custo por preso no país é muito alto e a tendência, baseado no modelo americano, é da privatização do sistema prisional, em que, em média, no Brasil, ao se privatizar, o custo de cada preso aumenta mil reais. E como a empresa que administra ganha por preso, quanto mais preso tiver, maior será o rendimento, sendo interessante que aumente o crime e a prisão para que haja mais lucro. Essa tendência de encarceramento de massa é para quebrar o Estado e nesse ritmo, logo, logo, a verba de educação, de transporte, de saúde pública vai ser destinada aos presídios para pagar as empresas. Violência gera violência. Temos que achar outras formas de tratar o delinquente, o criminoso; na que temos, o resultado é bem prático: quanto mais se prende, mais violência nós temos.
Fonte: O SÃO PAULO/ Daniel Gomes 

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