Padre Gianfranco: ‘A Criação – lugar onde o ser humano realiza sua vocação’

 Em Igreja em Saída

A Igreja no Brasil, através de seus pastores, nos convida mais uma vez a fazer do tempo forte da Quaresma um momento de vivência concreta da fé, reavivando nosso Batismo, contextualizando-o a partir da realidade concreta da humanidade, sua história contemporânea, seus anseios, suas angústias, seus questionamentos. A Campanha da Fraternidade (CF) 2017 traz como tema “Fraternidade: Biomas brasileiros e defesa da vida” e como lema “Cultivar e guardar a Criação” (Gn 2,   15).
Gianfranco Capa
Muitos cristãos, particularmente aqueles ligados a um conceito de que a Quaresma é apenas um tempo de práticas litúrgico-espiritualistas, têm certa dificuldade para entender a ligação que pode existir entre algo eminentemente sagrado e os próprios biomas, com suas diferenças e riquezas, suas fragilidades, seus povos e culturas milenárias.
O texto-base deste ano não se preocupa tanto em nos fornecer dados sobre os diferentes biomas, desde Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa, até o Pantanal, embora em parte se ocupe disso, mas quer-nos fazer entender a importância que cada um deles representa para o cuidado com a Casa Comum. A metodologia escolhida usada é a conhecida e usada habitualmente no contexto pastoral do “ver”, “iluminar”, “agir”.
Ver
O “ver” segue por todos os biomas religiosamente o esquema de uma apresentação, sua localização e extensão, suas características naturais e biodiversidade, sua sociodiversidade – povos nativos e cultura, a beleza, as fragilidades e desafios, a contextualização política e a contribuição da própria Igreja em cada contexto específico. Os dados que esta parte do processo pastoral nos fornece são ferramenta preciosa para nos conscientizar que todas as riquezas de nosso país. Cada elemento é parte daquele tesouro que Deus colocou em nossas mãos para que o guardássemos e cuidássemos dele.
Iluminar
No “iluminar” nos é dito explicitamente que não temos textos bíblicos que falem diretamente de biomas, mas na Sagrada Escritura há elementos que a partir da temática do projeto de Deus, nela apresentado, nos oferece elementos para iluminar a temática.
De fato, a fé judaico-cristã aponta um caminho objetivo: o mundo foi criado por Deus. Diremos mais: o mundo é obra desejada por Deus, criada harmonicamente por amor, por Ele realizado, e disso nós temos dois relatos no livro do Gênesis. No salmo 8, se afirma que é obra-prima de Deus. No segundo relato do Gênesis, o homem é colocado como guarda da Criação que, ao mesmo tempo, deve cultivar. Por isso, Deus modela o homem do barro, sopra nas suas narinas e o coloca no jardim. Em seguida, da costela do homem, forma a mulher com a mesma dignidade e a mesma missão. Nesse contexto, entendemos que o homem no ideal inicial possui três tipos de relação: com Deus, com a obra criada e com seu próximo. Isso se dá dentro do jardim, o que indica que além de ser o local onde retira o alimento é o ambiente do encontro com Deus e da vivência da fraternidade. (Gn 1, 29-31). Por essa razão, deve ser cultivado com o mesmo amor com que foi criado, para continuar frutificando, e deve ser cuidado para que as relações entre as pessoas sejam fecundas.
Mas, as mesmas páginas da Bíblia nos relatam o pecado e a aliança rompida e a imediata ruptura de relações. A primeira relação a ser ferida é com Deus; em seguida, rompem-se as relações harmoniosas do casal; e a terceira é a perda da linguagem do amor que harmoniza tudo e causa de desentendimento, rupturas que acontecem, seja com o próximo, seja com a Criação. A consequência é o mundo desfigurado, sinal de quebra da aliança e de que Deus foi esquecido.
O texto nos introduz, através do trecho de Gálatas 4, 4ss., no tempo messiânico da restauração da dignidade de filhos por meio de Cristo, passando do caos em que a Criação está envolvida a uma nova Criação, renovada por iniciativa de Deus e de seu amor. Mas o convite é para ir além e compreender que a Criação, amada e desejada por Deus, é ambiente concreto onde o homem realiza a sua vocação. Por isso, quando o texto fala de biomas e a convivência dos povos tradicionais com eles, destaca a importância da consciência que tudo na Criação está interligado e sobre a necessidade imperativa de cultivar esses vínculos. Eis porque entre os temas do ensino social da Igreja a ecologia é presença recente, mas suficientemente consolidada. Basta pensar que o Bem-aventurado Paulo VI iniciou a reflexão dos ensinamentos da Igreja sobre a ecologia indicando sua relação com o desenvolvimento, enquanto São João Paulo II aprofundou essa reflexão ressaltando a ligação entre todas as criaturas e levantando a questão ética dos limites colocados à Criação pelo próprio Deus. O Papa Bento XVI, apresentado diversas vezes como “o primeiro papa verde”, em sua mensagem para o 40° Dia Mundial da Paz, retomou e consolidou a relação inseparável que existe entre “ecologia da natureza”, “ecologia humana” e “ecologia social”. Enfim, o Papa Francisco fala de “ecologia integral”, superando o dualismo entre alma e corpo e afirmando que “ecologia humana e ecologia ambiental caminham juntas”.
Agir
O “agir” pela primeira vez não é único. Cada bioma, cada realidade tem suas indicações para operar a necessária conversão pessoal e social, que leve a cultivar e cuidar da Criação, casa comum da qual somos parte.
* Texto do Padre Gianfranco Graziola, vice-coordenador nacional da Pastoral Carcerária, publicado na edição de janeiro/fevereiro de 2017 da Revista Missões.

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