Tortura, maus-tratos e superlotação são parte da rotina das prisões

 Em Combate e Prevenção à Tortura

Interna_primeira_mesaO expediente permanente de tortura e maus-tratos nas prisões, potencializado pela superlotação dos cárceres no Brasil, foi um dos assuntos debatidos no seminário “Tortura e Encarceramento em Massa”, realizado pela Pastoral Carcerária Nacional, o Instituto Terra Trabalho e Cidadania, e o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, em 13 de junho, no Centro de Formação Sagrada Família, em São Paulo (SP).
A temática foi debatida na primeira mesa de reflexões, mediada pelo Padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária – CNBB, com a participação dos debatedores Rafael Godoi, Doutor em Sociologia e agente da Pastoral Carcerária; Greg Andrade, advogado e membro do Coletivo Peso; e Bruno Shimizu, defensor público e coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria.
 
‘A prisão em si é um instrumento de tortura’
Primeiro a falar no debate, Rafael Godoi explicou que a tortura é uma medida deliberada de violência do Estado com a finalidade de constranger o cidadão, redundando em consequências psicológicas permanentes.
Ele elencou situações de tortura no sistema prisional, como as condições estruturais das prisões, a falta de assistência jurídica e de saúde, escassez no fornecimento de água, falta de itens de higiene e vestuário, desrespeito aos presos no translado entre unidades prisionais, além de ambientes próprios para tortura nas prisões, como as celas de castigo e de inclusão.
Rafael também considerou como tortura as situações de revista vexatória aos familiares dos presos e a desinformação sobre o processo do parente que está detido. Lembrou, ainda, que a tortura ao preso não acaba quando este é solto, pois o estigma social persiste, limitando as possibilidades de ressocialização.
“A prisão em si é um instrumento de tortura, por isso o esforço de combater a tortura na prisão deve se complementar com o esforço de combater a própria existência da prisão. Temos que produzir outros modos de resolver nossos conflitos, que não passem pelos aparelhos de tortura”, enfatizou.
 
Amargas lembranças do cárcere
Durante nove anos, o hoje advogado Greg Andrade esteve preso em regime fechado e também passou por dois anos em regime semiaberto em Minas Gerais. No ambiente das prisões, sentiu na própria pele o desrespeito do Estado pela dignidade humana.
Ele recordou uma situação de quando foi transferido para uma unidade prisional mineira. “No bonde, andamos algemados para trás, em seis pessoas onde cabiam quatro. Estava calor, eu implorava para abrir e não abriam a porta. Implorar pela vida é a pior coisa do mundo”.
“Tudo que o Estado puder fazer para impedir a recuperação e reinserção de um preso, ele faz”, enfatizou. “Querem manter a tortura institucionalizada através das prisões”, afirmou, apontando, ainda, que o Poder Judiciário e o Ministério Público de Minas Gerais têm sido coniventes com muitas situações de tortura naquele estado.
Emocionado, ele recordou a acolhida que sempre teve dos agentes da Pastoral Carcerária enquanto esteve preso. “Vocês, agentes da Pastoral Carcerária são os únicos anjos que vão lá com um interesse sincero. Vocês entram no sistema prisional com uma única motivação, o amor àquele cidadão que está preso”.
 
Jovens, pretos e periféricos são alvos prediletos do Estado
O último debatedor, Bruno Shimizu, enfatizou que é preciso resgatar a caracterização de que a tortura é um crime praticado por agentes do Estado contra o cidadão. Para ele, o sistema de justiça não é neutro no Brasil e tem como alvos preferenciais os jovens, negros e periféricos.
Bruno expôs um dado questionador: embora 70% dos crimes de tortura sejam comprovadamente praticados por agentes do Estado, essa proporção não se mantém nas condenações, posto que 70% dos condenados por tortura são agentes privados.
“A tortura se tornou mais uma forma de seletividade para o encarceramento”, afirmou. “Quando a tortura se dá no sistema prisional é feito um malabarismo para que não seja registrada como tortura. A Justiça está assumindo o genocídio dos presos”, afirmou, dizendo que há um misto de medo e de conivência dos juízes com tais situações.
Bruno também diferenciou a tortura ostensiva da estrutural. Enquanto aquela deixa sinais visíveis no torturado, esta é sutil e se expressa especialmente nas péssimas condições de sobrevivência a que os presos estão expostos.
O defensor público disse, ainda, que os presos estão passando fome nas prisões, tendo que se submeter, por vezes, a um intervalo de 17 horas sem refeições. Ele lamentou que quando as denúncias são levadas aos juízes corregedores, muitos destes alegam que não têm competência para agir diante das situações apresentadas.
Bruno destacou a importância da presença permanente de defensores públicos nas unidades prisionais, e não apenas a realização de visitas eventuais.
Ao final da mesa de reflexões, Padre Valdir enfatizou a necessidade de se lutar contra o encarceramento em massa no Brasil. Ele ressaltou que o sistema prisional aniquila a pessoa física e psiquicamente, lamentou que muitos presídios do país ainda tenham a presença constante de policiais para ações repressivas; e lembrou que no Estado de Rondônia, onde esteve recentemente, 70% dos presos consultados disseram já ter sofrido tortura.

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