Luisa Cytrynowicz: Suicídio e negligência do Estado

 Em Combate e Prevenção à Tortura

Suicídio e negligência do Estado
Por Luisa Cytrynowicz*
Para a Caros Amigos 
No mês de dezembro de 2015, a Pastoral Carcerária recebeu a informação de que um preso que se encontrava detido no Presídio Federal de Campo Grande cometeu suicídio após cinco tentativas do tipo.
Ele teve reiterados pedidos de transferência para outra unidade prisional, que o aproximariam de sua família, negados. Tal fato, além de absolutamente lamentável, é um indicativo de negligência por parte do Estado.
O relatório Tortura em tempos de encarceramento em massa da Pastoral Carcerária, lançado em 2016, denunciou 105 casos de violações de direitos no cárcere, que foram encaminhados às instituições do sistema de justiça brasileiro. Dentre eles, este caso é o primeiro levado à justiça.
Tendo isso em vista, a Defensoria Pública da União ingressou com ação de reparação ao poder público, pedindo indenização por danos morais e materiais, bem como pensão alimentícia para os seus dependentes.
Apesar de ser uma iniciativa isolada dentro do universo de casos que tratou a pesquisa, a medida é importantíssima e aponta para o enfrentamento das violações de direitos como práticas sistemáticas e estruturais dentro do ambiente prisional.

É importante ressaltar que o Estado é o alvo da ação nesse caso, pois ele é responsável pela vida das pessoas que estão sob sua custódia. O suicídio de um preso que estava submetido a violações sistemáticas de direitos no Presídio Federal de Campo Grande nos evidencia a multiplicidade de atores envolvidos na produção e na manutenção da estrutura que violou os seus direitos até o último dia.
Nesse sentido, o Relatório da Pastoral apontou que “é na esfera civil que a responsabilidade objetiva do Estado em relação à vida e à integridade física dos presos poderia ser melhor instrumentalizada em ações jurídicas de enfrentamento à tortura, especialmente nos casos nos quais existe prova material da violência, mas não é possível individualizar condutas ou identificar claramente a figura do ‘torturador’”.
Em junho de 2015, uma equipe da Pastoral Carcerária Nacional havia visitado o Presídio Federal de Campo Grande e verificou diversas ilegalidades, como práticas de confinamento solitário, procedimentos de disciplina humilhantes e desumanizadores, restrições indevidas à prática religiosa, monitoramento de conversas sigilosas, ausência de qualquer atividade laboral, entre outras.
As violações observadas indicam que há tortura psicológica sistemática no Presídio Federal em questão, que resulta em um número alarmante de presos insones e depressivos, bem como inúmeros relatos de tentativas de suicídio. Logo após a visita, foram encaminhados ofícios para o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) denunciado as violações, porém tais documentos restaram sem qualquer resposta.
Em relação à tortura, o relatório da Pastoral aponta que “nas masmorras brasileiras, a tortura também passou a ser um conjunto de procedimentos, continuada e difusa, (…) e que se constitui como instrumento essencial de gestão e manutenção da ordem de um sistema baseado na violação de direitos”.
As inúmeras práticas de violações descritas no relatório enviado ao Depen demonstravam que a unidade não só não garantia a proteção aos direitos básicos dos presos, como os violava sistematicamente. A ausência de respostas por parte do Depen chegou ao limite do extremo, e com um desfecho trágico para este senhor, que, entretanto, não parece ser um caso isolado.
Depois desta notícia, foram encaminhados ofícios para a Defensoria Pública da União e Ministério Público Federal solicitando a apuração das condições de violações de direitos na unidade, das circunstâncias da morte do referido preso, bem como a adoção das providências cabíveis.
Por parte da DPU, o ingresso da ação indenizatória mostrou-se como uma medida certeira. O MPF, entretanto, justificou a manutenção de diversas ilegalidades na unidade considerando tratar-se de um Presídio Federal, que exige “procedimentos diferenciados”.
Um exemplo destes procedimentos é a justificativa da legalidade da revista vexatória dada pelo MPF: “do mesmo modo, não há que se falar em ilegalidade no procedimento de revista íntima, dado que o visitante pode se recusar a submeter-se a esta, optando por ter contato com o preso no parlatório, sem contato físico (…)”. Ou seja, o visitante pode se recusar a passar por revista, mas terá o seu direito à visita praticamente negado, uma vez que a visita no parlatório se dá através de um vidro.
A excepcionalidade do Sistema Penitenciário Federal não pode, em hipótese alguma, ultrapassar os limites do respeito à integridade física e psíquica dos presos nele custodiados e seus familiares. Esse entendimento, porém, não foi compartilhado pelo MPF para o caso em questão.
Como afirma o relatório sobre tortura da Pastoral, “é evidente que os agentes que pressionam as alavancas dessa máquina de tortura não são apenas aqueles servidores que atuam diretamente nos presídios, mas também os gestores, dirigentes políticos e membros do sistema de justiça, que dos seus gabinetes viabilizam, por ação ou omissão, o funcionamento desta engrenagem de dor e sofrimento.”
*: Luisa Cytrynowicz é assessora jurídica da Pastoral Carcerária Nacional 

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